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Seu Jorge: “Rock não é um gênero pro negro”

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“Pô, eu sou brasileiro, nasci no Rio. Sou do subúrbio. O rock não chegou. O rock não é um gênero pro negro, apesar de Jimi Hendrix.”

Seu Jorge, em entrevista ao site da “Vice”

A frase de Seu Jorge rende uma discussão muito interessante. Na minha opinião, ela contém uma inverdade e uma verdade.

A inverdade: “Rock não é um gênero pro negro”.

Quem conhece a história do rock sabe que ele não é só um gênero “para o negro”, como foi criado por artistas negros (e a foto acima traz quatro desses pioneiros: Willie Dixon, Little Richard, Bo Diddley e Chuck Berry).

O que não quer dizer que tenha sido criado exclusivamente por negros. Como escreve Nick Tosches em “Unsung Heroes of Rock’n’Roll”, até hoje o melhor livro que li sobre o rock pré-Elvis:

“Rock’n’roll não foi criado somente por negros ou por brancos, e certamente não surgiu de repente. Ele evoluiu lentamente, fomentado por negros e brancos, alguns velhos e outros jovens, no sul, oeste, norte e leste. Seus pioneiros não foram impulsionados por um espírito criativo puro, mas pelo desejo de ganhar dinheiro. Nada une mais um homem negro e um branco, um jovem e um velho, um homem do campo e outro da cidade, quanto um dólar colocado entre eles. O rock’n’roll floresceu porque vendia. E quanto mais vendia, mais florescia. Seus heróis, famosos ou anônimos, tinham uma coisa em comum: eles gostavam de Cadillacs.”

No início dos anos 50, Sam Phillips, dono da gravadora Sun, dizia: “Se eu conseguir achar um rapaz branco que cante como um negro, farei um milhão de dólares”.

Em 1953, Phillips achou o tal rapaz, um certo Elvis Presley. Elvis não inventou o rock, mas tornou-o palatável à América branca. Enquanto Ike Turner, Little Richard, Chuck Berry, Fats Domino, Bo Diddley e outros pioneiros do rock tocavam, principalmente, para plateias negras, Elvis fez a ponte entre aquela música do diabo e o “mainstream”.

Mesmo naquela época, a expressão “rock and roll” já era batida. Em 1922, a cantora de blues Trixie Smith gravara “My Daddy Rocks Me (With One Steady Roll)”. Em 1931, Duke Ellington gravou “Rockin’ in Rhythm”. O que a indústria musical fez, na década de 50, foi incorporar o nome "rock and roll" a um estilo de som mais “sujo”, agressivo e jovem. O DJ Alan Freed dizia ter criado a expressão "rock and roll", mas era cascata. A exemplo de Elvis, ele simplesmente se apropriou de algo que já existia e o vendeu com uma nova roupagem. E assim nascia o rock como nós o conhecemos.

É inegável que o gênero sofreu um violento processo de "embranquecimento" depois de Elvis. Nos Estados Unidos, jovens negros pareciam mais interessados em soul, funk e rhythm'n'blues (e depois em rap, claro), e grupos de rock formados por músicos negros passaram a ser raridade, como Bad Brains, Death e Living Colour.

Voltando à frase de Seu Jorge: o que há de mais verdadeiro nela, a meu ver, é o trecho em que ele diz que o rock “não chegou” aos subúrbios do Rio. Vou mais longe: o rock nunca chegou, de fato, ao Brasil inteiro. Quem dominou as paradas de sucesso por aqui foi a música romântica.

A verdade é que o Brasil sempre repeliu o rock. Em 1967, enquanto Hendrix tocava fogo em sua Stratocaster em Monterey, jovens artistas como Elis Regina, Gilberto Gil e Jair Rodrigues marcharam contra a guitarra elétrica no centro de São Paulo. Rock era visto como coisa de alienado e imperialista. E o povão concordava. É só verificar as paradas de sucesso para ver como o brasileiro nunca consumiu rock.

Nem os Beatles se deram bem por aqui. Em janeiro de 1965, a Odeon lançou no Brasil o LP “Os Reis do Iê, Iê, Iê!” (“A Hard Day’s Night”). Na Grã-Bretanha, o disco liderou a parada por 21 semanas. Nos Estados Unidos, por quatorze semanas. No Brasil, vendeu menos que “Não me Esquecerás”, do cantor de boleros Carlos Alberto, “O Trovador”, de Altemar Dutra, e “A Bossa é Nossa”, de Miltinho.

Alguns dados esclarecedores: desde 1965, quando o Nopem (Nelson Oliveira Pesquisa de Mercados) começou a listar suas paradas dos discos mais vendidos no país, nenhum LP com predomínio de guitarra elétrica chegou ao topo da lista.

Com raríssimas exceções – “Secos e Molhados” em 1974, “Vôo de Coração”, de Ritchie, em 1984 – a música pop sempre foi superada, em vendas, pela música romântica. Num distante segundo lugar, vinha o samba.

Sabe qual o LP de rock nacional mais bem colocado na parada do Nopem desde 1965? “Nós Vamos Invadir Sua Praia”, do Ultraje a Rigor, terceiro colocado no ranking de vendas de 1986, atrás de Roberto Carlos e Madonna (“Like a Virgin”). E sabe quais os compactos mais vendidos daquele ano? “Prenda o Tadeu”, de Maria Alcina, e “Dona”, do Roupa Nova.

Ou seja: Seu Jorge está certíssimo quando diz que o rock “não chegou” por aqui. Ainda estamos esperando.

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