Aí está um documentário imperdível sobre uma das figuras mais polêmicas e intrigantes de nossa cultura pop: “Eu Sou Carlos Imperial”, de Renato Terra e Ricardo Calil. O filme será exibido no Espaço Itaú (Praia de Botafogo, 316, Rio), na programação do festival “É Tudo Verdade”, dias 17 (21h) e 18 (15h).
Baseado no livro “Dez, Nota Dez!”, de Denilson Monteiro - que também recomendo demais – o filme conta vida, obra e pilantragem de Carlos Imperial (1935-1992), produtor musical, colunista de jornal, cineasta, apresentador de TV, ator, político e maior “abatedor de lebres” que este país já conheceu.
Imperial foi nosso picareta mais genial. Quando percebeu que a música folclórica “Meu Limão, Meu Limoeiro” era de domínio público, não teve dúvidas: registrou a canção como sua. A mãe revoltou-se: “Mas Carlos, eu cantava essa música pra você quando você tinha três anos!” “Mãezinha”, respondeu Imperial: “Comigo é assim: música e mulher, se não tiverem dono, eu tomo!”
Imperial foi nosso Allan Freed, o homem que trouxe o rock pro Brasil. No meio dos anos 50, apresentava programas de rock na TV. Foi ele que revelou Roberto Carlos, Erasmo, Elis Regina, Tim Maia, Clara Nunes, Paulo Silvino (com o nome de Dixon Savannah) e Eduardo Araújo. No fim dos anos 70, virou defensor da discoteca e lançou Dudu França e Miss Lene.
O filme de Terra e Calil é divertidíssimo. Como é bom ver entrevistas de veteranos como Gerson King Combo, Tony Tornado, Paulo Silvino e Erasmo Carlos, que não têm papas na língua ou “assessores” e aspones pra orientá-los.
Morri de rir com Tony Tornado relatando o convite de Imperial para que Tony fosse morar com ele em Copacabana: “Eu disse pro Imperial que morava no bairro da Chacrinha, em Nova Iguaçu, e ele respondeu: ‘Mas Tony, isso aí é longe pra caralho!’ E ele tinha razão, era mesmo!”
Também fiquei surpreso com a entrevista de Roberto Carlos, numa raríssima ocasião em que colabora com um empreendimento jornalístico, em vez de censurá-lo. Roberto conta como Imperial o ajudou no início da sua carreira. Mas é Eduardo Araújo que traz a informação mais quente sobre a relação de Imperial com o "Rei", ao afirmar que Roberto o chamava de "pai".
Outra qualidade do filme é não ser chapa branca. Imperial é mostrado como um sujeito leal aos amigos, mas extremamente duro – e, muitas vezes, até desleal – com os desafetos. A história da “lenda da cenoura”, que por décadas atormentou o ator Mário Gomes, é revoltante. Imperial não tinha escrúpulos para humilhar os outros.
A vida de Imperial foi tão atribulada e cheia de fatos estranhos, que é natural que o filme passe meio batido por alguns desses acontecimentos, como sua carreia na política, por exemplo. Para a minha geração, Imperial será lembrado por ter inventado a campanha política mais esquisita e bombástica que já vimos: a de prefeito do Rio, em 1985. Reproduzo trechos de um texto que fiz em 2011:
Em 1985, Imperial criou o PTN – Partido Tancredista Nacional - para faturar com a comoção causada pela morte de Tancredo, ocorrida meses antes.
Seu tempo na TV era curtíssimo. Mas ele, velho macaco de imprensa, usava os poucos segundos de que dispunha com táticas chocantes. Cercado de assistentes – as “Zebrinhas” – Imperial aparecia com uma camisa zebrada, ao som de “Cidade Maravilhosa” e sempre gritando seu bordão: “vai dar zebra!”. Na parede, uma foto de Tancredo Neves adicionava ainda mais surrealismo à coisa toda. Veja que beleza:
Já viu um filmaço de Sidney Lumet chamado “Rede de Intrigas” (1976)? Peter Finch faz um apresentador de TV que pira no ar e anuncia que vai se matar em rede nacional. “Estou puto da vida e não agüento mais!”, grita o alucinado. A audiência dispara.
Imperial resolveu imitar Peter Finch. Ele apontava diretamente para a câmera, fazia cara de revoltado e dizia: “Povo do Rio de Janeiro, é, você, meu amigo, que vive sendo sacaneado... vá agora para a janela e grite: ‘Eu não agüento mais!!!!’”
Este virou o bordão meu e de todos os meus amigos. Não tinha uma aula em que algum cretino não levantava no meio da sala e gritava “Eu não agüento mais!!!!!”
Só de zoeira, fui até um comitê dele – se não me engano, próximo à Cinelândia - e peguei todos os cartazes, adesivos e bonés que pude. Imperial pedia que os “patrulheiros mirins” ligassem para ele, denunciando qualquer desmando na cidade. “Você será atendido pessoalmente por uma zebrinha”, prometia. Mandei várias reclamações contra meus professores, mas, infelizmente, nenhuma foi lida no ar. Também nunca consegui falar com nenhuma Zebrinha.
Imperial bolou uma jogada tão pavorosa, deselegante e politicamente incorreta que, por muitos anos, achei que eu a tinha imaginado. Foi só depois de ler o livro de Denilson Monteiro que a imagem voltou, inteira, à minha memória, e me toquei que aquilo tinha acontecido de verdade.
Um dos adversários de Imperial na eleição era Rubem Medina (PFL), que Imperial chamava de “disco voador”: “É baixinho, feio e ninguém acredita nele!”. Rubem era irmão de Roberto Medina, idealizador do Rock in Rio. E Imperial iria usar o festival de Roberto para tentar prejudicar a campanha de Rubem Medina.
Durante vários dias, Imperial anunciou, em seu horário político na TV, que mostraria “o exato instante em que a Aids chegou ao Brasil”.
No dia prometido, Imperial disse: "É agora, meu povo: vocês vão ver o EXATO momento em que a Aids chegou ao Brasil!”. E exibiu trechos do show do Queen no Rock in Rio, com Freddie Mercury cantando “Love of My Life”.
Segundo Denilson Monteiro, o negócio revoltou muita gente. O travesti Jane Di Castro, amigo de imperial, o abordou num bar e rompeu a amizade com ele. Não era pra menos. Aquilo foi constrangedor até para os padrões de Carlos Imperial.
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