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Um filme que está sendo feito há meio século

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Depois de receber centenas de comentários de leitores sobre os textos de Lollapalooza, Ed Motta e seu Jorge, tenho consciência de que o texto de hoje tem boas chances de ser recordista negativo de número de comentários aqui no blog. Mesmo assim, acho que o tema é tão bom que merece ser divulgado.

A culpa pelo desinteresse será exclusivamente do mercado de DVDs e filmes de arte no Brasil, que vem ignorando, há meio século, uma das maiores séries documentais já realizadas: a série “Up”, do cineasta inglês Michael Apted.

Em 1964, a Granada Television exibiu “Seven Up”, um documentário de 40 minutos em que apresentava 14 crianças britânicas de sete anos de idade e prometia acompanhar a vida delas pelas décadas seguintes. O primeiro filme foi dirigido por Paul Almond. A partir dali, Michael Apted, que havia sido pesquisador em “Seven Up”, assumiu a direção da série. Aqui vai um trecho de “Seven Up”:

A cada sete anos, Apted entrevistou novamente os 14 personagens. E os filmes - “14 Up”, “21 Up”, “28 Up”, “35 Up”, “42 Up”, “49 Up” e o mais recente, “56 Up”, lançado ano passado, formam uma fonte riquíssima sobre a vida, os problemas, as dúvidas, o amadurecimento, as alegrias e tristezas do povo britânico nos últimos 50 anos. Para muitos, a série “Up” é um dos maiores documentários já feitos.

Eu tinha visto cinco dos oito filmes, mas resolvi assistir a todos de uma vez, até para fazer companhia à minha mulher, que não conhecia a série. Terminados os 769 minutos dos oito filmes, ela disse que nunca tinha visto nada tão bonito e emocionante.

Veja aqui, em inglês, o crítico Roger Ebert entrevistando o cineasta Michael Apted sobre a série “Up”:

Diferentemente de “reality shows”, que põem pessoas de verdade em situações inventadas (no meio do mato, ou trancadas dentro de uma casa), a série de Apted não “interfere” com a vida de ninguém, apenas documenta a vida deles a cada sete anos.

Algumas trajetórias são surpreendentes, outras são banais. Originalmente, as 14 crianças foram escolhidas para representar um espectro amplo de origens e condições sociais. Algumas viviam em orfanatos, outras eram ricas e estudavam em escolas caríssimas. O único “pecado” da série – já assumido por Apted – foi ter selecionado apenas uma criança negra, Symon, um menino pobre que fora abandonado pelo pai e vivia num orfanato em Londres.

As histórias dos personagens são tão variadas que é impossível imaginar um padrão. Mas, analisando as trajetórias das 14 crianças, algumas coisas são óbvias: em primeiro lugar, a importância de uma base familiar sólida. Em segundo lugar, a importância da educação. Mesmo as crianças mais pobres parecem ter vidas mais ricas e felizes se não optaram por sair da escola e trabalhar muito cedo.

Acompanhar meio século da vida de alguém é uma experiência e tanto. No fim, você tem a impressão de conhecer intimamente essas pessoas e torce por elas. Um dos personagens, Neil, é um menino engraçado e simpático, que aos sete anos de idade sonha em ser motorista de ônibus. Mas a vida não é generosa com Neil e ele acaba, aos 21, morando num squat em Londres e tendo problemas com drogas e doenças mentais, até dar uma guinada em sua vida e iniciar uma improvável carreira na política.

A série “Up” está disponível, na íntegra, no Netflix gringo, com legendas em inglês. Mesmo que seu inglês não seja perfeito, vale a pena assistir. As entrevistas não são difíceis de compreender e dá para acompanhar a trajetória dos personagens numa boa. Garanto que poucos filmes merecem 769 minutos de sua vida quanto a série de Michael Apted.

P.S.: O leitor Luiz Salviato avisa que a série está disponível, com legendas em português, no canal Philos da NET. Agradeço ao Luiz pela dica.

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