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Quando os Stones metiam medo

O canal BIS está exibindo esses dias “Charlie is My Darling”, um documentário fascinante sobre os primórdios da carreira dos Rolling Stones (o filme será reapresentado 6ª, às 7 da manhã, e domingo, ao meio-dia).

“Charlie” foi filmado em 1965, durante a segunda turnê irlandesa dos Stones, mas não foi lançado oficialmente até 2012, por causa de problemas legais entre a banda e seu ex-empresário, Allen Klein. Por 47 anos, as imagens circularam apenas em cópias piratas.

O filme foi patrocinado pelos Stones e produzido pelo então agente da banda, Andrew Loog Oldham. É uma produção simples, com uma câmera e sem nenhum requinte, mas as imagens revelam uma banda no limiar do sucesso mundial e já consciente de sua posição no imaginário pop.

Quem domina o filme é Mick Jagger. É impressionante ver um moleque de 22 anos com uma noção perfeita de seu papel naquele circo. Suas entrevistas são incríveis.

“Em cima do palco, nossa relação com o público é puramente sexual”, diz Mick, sem nenhum traço de ironia. E as imagens mostram que ele tinha razão: num show em Dublin, fãs invadem o palco para arrancar um pedaço dos Stones. A cena é inacreditável: enquanto duas fãs agarram Brian Jones, Mick foge do palco, Charlie Watts tenta se proteger atrás da bateria e Keith usa sua guitarra de escudo, um solitário policial tenta conter a turba enfurecida. O show, claro, é cancelado, e os Stones precisam fugir por uma porta lateral.

O filme mostra como os Stones eram “inimigos públicos”, execrados por pais e sociedade e amados pelos fãs. O abismo geracional que existia na Europa dos anos 60 é evidente. Em certo momento, Mick diz algo como: “Nosso público tem uma mentalidade nova. São jovens que não querem a guerra, querem o amor livre e não querem ser iguais a seus pais”.

Da janela de um quarto de hotel, Brian Jones e Keith Richards observam os fãs amontoados na calçada, gritando “Nós queremos os Stones!”. Aqueles moleques eram filhos da Segunda Guerra e nasceram em meio aos escombros e cidades arrasadas. É difícil imaginar, hoje, o que os Stones simbolizaram para aquela geração em termos de liberdade social, cultural e sexual.

Vale lembrar que, em 1965, os Stones ainda eram, basicamente, uma banda de “covers”, com um repertório centrado em clássicos do blues, soul e rhythm’n’blues norte-americanos. Foi só no ano seguinte, 1966, que e banda lançaria “Aftermath”, seu primeiro disco composto exclusivamente de músicas próprias.

Que ninguém espere de “Charlie is My Darling” um grande filme-concerto. Os shows são filmados amadoristicamente, com uma câmera colocada no palco e um som péssimo, totalmente abafado pelos gritos histéricos do público. Mas se você tem interesse em entender como o rock alargou o abismo geracional do Ocidente na segunda metade do século 20, é um documento indispensável.

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