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O Antilollapalooza

Há alguns dias, o leitor Murilo Neuman me escreveu, relatando sua experiência no festival de música Pira Rural, no interior do Rio Grande do Sul.

Murilo disse que não tinha nenhuma ligação com o evento ou com as bandas, era apenas um frequentador do festival, e elogiou demais o evento. Achei o tema muito interessante, até por se tratar de um festival totalmente alternativo e independente, completamente fora do circuito "mainstream", e pedi ao Murilo que ampliasse o texto para publicá-lo aqui no blog.

O resultado é um texto informativo e bacana sobre um festival que, tenho certeza, a grande maioria dos leitores desconhece. Eu, por exemplo, nunca tinha ouvido falar do Pira Rural. Lendo a descrição, fiquei com vontade de ir.

É muito legal saber que existem iniciativas como esta, que fogem do corporativismo e beija-mão estatal de muitos eventos musicais “alternativos” no Brasil. As fotos são de Cleo Henn, Stéphanie Chauvin, Cristofer Dalla Lana e Jéssica Martini.

PIRA RURAL – por Murilo Neuman

No final de semana de Páscoa rolou a sexta edição do festival Pira Rural, na cidade de Ibarama, interior do Rio Grande do Sul. É um festival que procura promover as artes, especialmente a música, sem fins lucrativos, e organizado de forma independente, por um grupo de pessoas da região. Eu não faço parte da organização ou de nenhuma banda, e o meu único envolvimento com o festival é de frequentador.

Para entender o Pira Rural, é preciso localizá-lo. Ocorre em uma chácara, um local com duas cachoeiras, bastante mato e com um espaço perfeito para que haja uma forte interação entre o público, bandas e organizadores. O lugar é lindo, coloca as pessoas em contato direto com a natureza e acaba sendo um dos pontos-chave da festa. Acredito que, se não fosse ali, o festival não teria nem de perto o mesmo clima de união e amizade que tem.

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Como o local tem uma capacidade limitada, e é preciso não lotá-lo tanto pela preservação do espaço, quanto pela comodidade dos frequentadores, estimo que havia cerca de 600 pessoas presentes. Isso torna a experiência muito agradável, pois a todo momento as mesmas pessoas estão se cruzando, os mesmos vizinhos de barraca estão dividindo espaço contigo e isso cria um clima de empatia, aproxima muito as pessoas, criando diversas amizades e dando acesso fácil dos frequentadores com as bandas e organização.

Um segundo ponto a ser destacado é o zelo que a organização do festival tem com quem está lá. Eles fazem de tudo para agradar, facilitar, ajudar e alegrar o pessoal. Os serviços de alimentação e bebidas não podiam ser melhores. Toda refeição preparada vem de matérias-primas da agricultura local, tudo orgânico e delicioso.

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Como é liberada a entrada de alimentos, eu e meus amigos fizemos churrasco no almoço de chegada, na sexta-feira, na beira de um riacho. Não se pode esquecer o delicioso pão com molho que é preparado exaustivamente na festa e é fantástico, sem falar no pinhão, milho verde, sanduíche natural, torresmo, caldos de batata e de feijão, e por aí vai.

As bebidas oferecidas também são de produtores da região, com opções de vinho, destilados, sucos naturais, chopp artesanal e cerveja artesanal.

Agora, a questão das bandas. É impressionante a cena musical que se criou no underground autoral. Eu posso falar apenas do Rio Grande do Sul, não sei como funciona em outros estados. De uns quatro anos pra cá, vem surgindo uma leva gigantesca de bandas com som autoral e nada comercial. A seleção de bandas este ano foi a melhor que já vi ali. Na sexta-feira, quem abriu os trabalho foi o Davi Henn, com um show na frente da cascata. Ele toca sozinho, um homem-banda, fazendo a percussão com os pés, e nas mãos o violão. Depois foi a vez da banda da casa, a Xispa Divina, tocar o seu rock rural. A coisa ficou quente mesmo com o show da banda Scarlet, de Santa Catarina. Todo mundo ficou abismado com o rock and roll enérgico, cheio de jams e passagens inesperadas que os caras fizeram. No fim da noite, foi a vez da Célula Soul, um duo de Pelotas, tocar o terror no palco. Nunca vi um baterista bater tão forte que nem aquele. Pra encerrar a noite, a Trabalhos Manuais Espaciais, banda instrumental de Porto Alegre, colocou todo mundo pra dançar com sua mistura de funk, ritmos africanos e brasileiros. Foi sensacional.

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No sábado, o palco abriu cedo, às 13h, com os Cânticos Espacias de Marcos Trubian; apenas ele e uma guitarra no palco, gravando loops em cima de loops e transformando a única guitarra em até 5 ou 6. A tarde inteira foi de música boa (aliás, a pessoa pode até não simpatizar com o estilo de uma banda ou outra, mas é impossível falar que uma banda foi ruim), mas o negócio foi espetacular a partir do show da banda Rutera, de Caxias do Sul, que, como eles mesmo descrevem, fazem um reggae montanhês. Foi diferente de qualquer reggae que já escutei, era psicodélico, tinha uma mensagem muito bonita nas letras e a banda era afiadíssima.

Em seguida, foi a vez da Quarto Sensorial, trio instrumental de Porto Alegre, tocar o seu rock progressivo e dar um nó na cabeça da galera. Depois, os paulistas d'O Centro da Terra subiram ao palco; esse era um dos shows mais aguardados, porque é simplesmente hipnotizante vê-los ao vivo. É um trio com muita influência de Jimi Hendrix, que destrói no palco; parece que é a última vez que eles vão tocar na vida, de tanta gana e vontade que eles fazem aquilo. O tempo todo a coisa é fundamentada em improvisos absurdos, que não se sabe de onde saem e funcionam como se fossem ensaiados à exaustão. Como eles dizem em uma música, foi um verdadeiro Ritual Elétrico.

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Depois foi a vez da Quarto Astral, primeira banda nordestina a tocar no Pira. Eu, particularmente, estava muito ansioso para esse show. O último álbum lançado por eles, “Quarto Astral na Quinta Dimensão”, é fantástico e eu queria muito ver tudo aquilo ao vivo. Foi emocionante demais. Pra fechar a noite, subiu ao palco a banda Rinoceronte, mas eu não consegui manter as energias e apenas escutei o show da barraca.

No domingo rolou o “Palco Livre”, onde quem quisesse, subia e tocava. Eu não pude ver até o fim, pois tive que ir embora, mas o que pude ver foi demais. Os integrantes das bandas se misturando e improvisando, longas jams que iam se transformando, e o baile seguindo num fluxo muito agradável.

Enquanto não tem nenhuma banda no palco, rola o som mecânico com a Rádio Camarim. Só toca coisa boa e da pra conhecer muita coisa nova. Em que outro lugar eu escutaria Herbie Hancock no meio da madrugada? Os caras sabem bem o que tão fazendo.

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Durante o sábado e o domingo choveu o tempo inteiro, molhou tudo, mas era tanta alegria que não existia como reclamar; estávamos no meio da natureza, a chuva faz parte da natureza e estava em seu lugar.

Mas o mais bonito do Pira Rural são as pessoas. É uma sensação um tanto inexplicável estar lá. Você conhece 5% dos rostos e parece que conhece todo mundo. Todos se ajudam, todos apoiam, todos riem juntos. Tem crianças, cachorros, todos em perfeita harmonia e sabendo que estão desfrutando de duas das coisas mais lindas que existem, a música e a harmonia entre seres humanos.

Desejo vida longa ao Pira Rural e que logo chegue o próximo. Afinal, a frase que mais se ouvia por lá era: "eu não quero ir embora nunca mais". Infelizmente tivemos que ir, mas com uma consciência renovada e um gás extra pra passar todos os outros dias do ano em tranquilidade, por saber que ainda existem lugares como aquele.

The post O Antilollapalooza appeared first on Andre Barcinski.


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