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“Magnífica 70” celebra a Boca do Lixo

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Muito promissora a estreia de “Magnífica 70”, nova série da HBO.

A trama começa em 1973, na ditadura de Médici, e gira em torno de um censor, Vicente (Marcos Winter), que proíbe um filme pornográfico, “A Devassa da Estudante”, rodado na Boca do Lixo, em São Paulo.

O filme é estrelado por Dora (Simone Spoladore) e produzido por Manolo (Adriano Garib). Este personagem parece inspirado no cineasta Ozualdo Candeias (1922-2007), que, a exemplo de Manolo, trabalhou de caminhoneiro antes de iniciar a carreira no cinema.

A série cita diversos cineastas e personagens lendários da Boca do Lixo. A consultoria é do cineasta e crítico Alfredo Sternheim, que conheceu os meandros da Boca como poucos. Numa cena aparece José Mojica Marins, o Zé do Caixão, rodando um filme.

A série tem um ar meio giallo, aqueles filmes de terror italianos dos anos 70 que tanto influenciaram cineastas como Carlos Reichenbach. Manolo é vítima de uma maldição e recorre a uma vidente para ajudá-lo. Vicente tem, em seu passado, um acontecimento terrível envolvendo sua paixão pela cunhada, que foi assassinada. E Dora, por alguma razão, o faz lembrar a morta.

A proibição de “A Devassa da Estudante” ameaça levar à falência a produtora Magnífica 70, onde Manolo trabalha para um mafioso/produtor interpretado por Stepan Nercessian.

Obcecado por Dora, Vicente vai à produtora e diz que sabe como conseguir a liberação do filme: tudo que Manolo precisa fazer é rodar um novo final para o pornô, em que Dora se arrepende de seus pecados.

Essa história de um censor ditar o fim de um filme aconteceu de verdade. Em 1967, José Mojica Marins terminou “Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver”, segundo filme da série com o personagem Zé do Caixão.
O chefe da Secretaria de Censura em Brasília era um sujeito chamado Augusto da Costa (1920-2004), que, antes de dedicar-se a destruir carreiras de artistas e diretores, atuava de zagueiro no Vasco e foi capitão da seleção brasileira que perdeu a Copa de 50 em pleno Maracanã.

Augusto proibiu o filme de Mojica. Depois que o produtor Augusto de Cervantes implorou pela liberação, Augusto libertou sua veia dramática e escreveu, de próprio punho, quatro frases que o personagem Zé do Caixão deveria falar ao final, como se estivesse arrependido pelas maldades cometidas:

Deus, Deus... Sim, Deus é a verdade...
Eu creio em tua força... Salvai-me!
A cruz, a cruz, padre...
A cruz, o símbolo do filho!

Cervantes dublou a voz de Zé do Caixão com essas frases e o filme foi liberado. E até hoje, quem assiste a “Esta Noite” não entende o súbito ataque de fé cristã que acomete Zé do Caixão.

Coisas de um Brasil retratado em “Magnífica 70”.

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