A ideia que muitos estrangeiros fazem do Japão é a de um país incrivelmente organizado e seguro, onde a criminalidade praticamente inexiste, a polícia é de uma competência quase sobrenatural e o sistema judicial é perfeito.
Mas um livro, recentemente lançado no Brasil, mostra um lado sombrio e sangrento do país do sol nascente: “Devoradores de sombras – A história real de uma jovem inglesa que desapareceu nas ruas de Tóquio e do mal que a aniquilou”, do jornalista britânico Richard Lloyd Parry.
Parry mora no Japão há 20 anos, publicou reportagens investigativas sobre a Coreia do Norte, Timor Leste e Indonésia e participou de coberturas de guerras e conflitos no Iraque, Afeganistão, Sérvia e Paquistão. Mas a história que realmente o obcecou, nesses últimos anos, foi a de Lucie Blackman.
Em 2000, Lucie, uma inglesa de 21 anos, saiu para trabalhar em Tóquio e nunca mais voltou. Ela era “hostess” em uma casa noturna da cidade. Seu trabalho consistia, basicamente, em bater papo e manter de bom humor os clientes, na maioria executivos japoneses.
O sumiço de Lucie foi manchete em toda a imprensa inglesa e causou atritos até entre os governos britânico e japonês. Depois que o desaparecimento dela foi divulgado, dezenas de mulheres que trabalharam como “hostesses” no Japão relataram casos impressionantes de violência e medo.
O livro de Parry conta não só a história de Lucie e de seu desaparecimento, mas mergulha no submundo da capital japonesa e revela um Japão desconhecido para muitos ocidentais.
Mesmo depois que o caso foi solucionado e a imprensa do mundo todo já tinha esquecido Lucie Blackman, Parry continuou, por quase dez anos, acompanhando o julgamento e as repercussões do crime. Sua descrição do sistema judicial japonês é impressionante, assim como os relatos de incompetência e corrupção da polícia de Tóquio.
Alguns personagens parecem saídos de um livro de Jim Thompson ou Stephen King. Ao longo da história, nos deparamos com líderes de seitas de extrema-direita, parentes que usam a tragédia de Lucie para faturar, policiais corruptos, trapaceiros profissionais e pervertidos de todos os tipos.
Um dos maiores trunfos do livro é a descrição da vida de jovens europeias e norte-americanas que vão tentar a vida no Japão e acabam encontrando empregos de “hostesses”. O que, para muitos, é um passo antes da prostituição, na verdade cumpre uma função social importante na sociedade japonesa e na vida de muitos homens, que pagam muito dinheiro simplesmente para conversar – e receber elogios – de mulheres estrangeiras.
“Devoradores de Sombras” é um livro-reportagem que parece um romance policial, de tantas surpresas, reviravoltas improváveis e personagens lúgubres. E mostra um Japão que muitos – especialmente os japoneses – preferem não conhecer.
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