O canal + Globosat exibe hoje, às 12h, "Bukowski - Born Into This", documentário de John Dullaghan sobre o escritor Charles Bukowski (1920-1994).
O filme tem entrevistas muito boas com Bukowski e com amigos e admiradores como o cantor Tom Waits e os atores Harry Dean Stanton e Sean Penn.
Mas o aspecto mais interessante do filme é a descrição dos anos em que Bukowski penou financeiramente antes de poder dedicar-se apenas à literatura.
O escritor morreu de leucemia, em 9 de março de 1994, aos 73 anos. Mas foi só aos 49 anos de idade que ele virou escritor em tempo integral.
Antes disso, Bukowski penou em vários empregos: dirigiu caminhões, carregou mudanças, trabalhou numa fábrica de picles e foi carteiro. Tudo para ganhar uma grana que o possibilitasse escrever à noite.
No fim dos anos 50, depois de quase morrer de uma úlcera perfurada, conseguiu emprego nos correios, separando correspondência. Ele trabalhava a noite toda e escrevia durante o dia. "Mas eu escrevia tanto que, à noite, meus braços doíam a ponto de eu não conseguir levantá-los quando ia separar as cartas", conta o escritor.
Bukowski trabalhou de separador de cartas por onze anos. Nesse período, escreveu centenas de poemas e contos, que enviava para revistas literárias. Um dia, um sujeito chamado John Martin leu um dos poemas e ficou impressionado com a força e beleza das palavras de Bukowski.
Martin escreveu para o autor elogiando o poema e perguntando se ele tinha mais material. Bukowski tinha pilhas de poemas inéditos. Martin resolveu fundar uma editora, a Black Sparrow Press, só para publicar o trabalho dele (depois publicaria obras importantes de autores como John Fante, Paul Bowles e D.H. Lawrence, entre muitos outros).
É aí que vem o momento mais bonito e emocionante do filme: John Martin conta que perguntou a Bukowski por que ele não largava o emprego nos correios para escrever. "Porque eu preciso sobreviver", disse o escritor.
Martin pediu a Bukowski que fizesse uma lista de todos os seus gastos mensais. O escritor começou a listar: "3,50 dólares por mês para cigarros, 20 por mês para comida, 40 para aluguel..." e chegou ao total de cem dólares. "Quer dizer que você viveria bem com cemdólares por mês?" perguntou Martin. "Sim, não preciso mais do que isso", respondeu Bukowski.
"Então está combinado: eu vou te pagar cem dólares por mês até o fim da sua vida, só para você largar os correios e poder escrever em tempo integral", disse Martin.
Os dois assinaram um contrato no dia 2 de janeiro de 1970. No dia 25 de janeiro, Bukowski entregou os originais de seu primeiro romance, "Post Office", uma história autobiográfica sobre seus anos trabalhando nos correios.
O mais curioso dessa história é que ela aniquila a imagem que muitos têm de Bukowski como um niilista doido, um porra-louca irresponsável e arruaceiro que só queria saber de beber, trepar e escrever. Quer dizer, ele só queria fazer isso mesmo, mas sabia que não tinha condições financeiras para largar tudo e viver de literatura. Por mais de um quarto de século - do momento em que publicou o primeiro conto, aos 24 anos de idade, até receber a "mesada" de Martin - Bukowski se virou como pôde para não morrer de fome.
Até o fim da vida, o escritor foi grato a Martin e às editoras independentes que o publicaram quando ele era um joão-ninguém. Mesmo depois de ficar famoso, nunca deixou de enviar poemas e contos para as pequenas editoras. Bukowski nunca esqueceu de onde veio.
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