Alair Gomes era uma figura. Magrinho, dentuço e com os cabelos permanentes desgrenhados, usava óculos grossos, que lhe davam um ar de cientista maluco. E era mesmo: autodidata, estudou física, matemática e neuropsicologia e deu aulas de Filosofia da Ciência em Yale e no Instituto de Biofísica da UFRJ.
Alair morava no sexto andar de um prédio em Ipanema. O apartamento era abarrotado de livros, fitas VHS de clássicos do cinema e fotos, a maioria tiradas por ele mesmo. Durante mais de 35 anos, fez dezenas de milhares de fotografias, que revelava e ampliava em um pequeno laboratório montado dentro do apartamento.
Alair Gomes era homossexual, e toda sua arte girou em torno de seus desejos eróticos. Da janela de sua casa, conseguia ver, espremido entre dois prédios, um pedaço das areias de Ipanema, justamente o trecho onde grupos de rapazes costumavam se reunir para malhar. Usando uma teleobjetiva, Alair clicou o que chamaria de "Trípticos" - grupos de fotos mostrando os movimentos dos rapazes.
Os moradores de Ipanema se acostumaram a ver Alair andando pelo bairro, sempre com sua Nikon na mão, fotografando a juventude dourada da praia. Nas areias, conheceu muitos jovens, "Meninos do Rio", que acabaram virando musos de suas imagens.
Esses dias, a Caixa Cultural de São Paulo (Praça da Sé, 111), abriu uma bonita exposição, "Alair Gomes: Percursos", com curadoria do fotógrafo Eder Chiodetto. Aqui, Eder fala sobre a exposição, que vai até 4 de outubro:
Ver os "Trípticos" da maneira como foram concebidos para exibição - com nove imagens sequenciais, dispostas lado a lado - é uma experiência e tanto. Os quadros parecem filmes e adquirem um "movimento", ressaltando o caráter "voyeur" de Alair, como se ele estivesse filmando escondido, sem que seus objetos soubessem que estavam sendo clicados.
Alair Gomes foi assassinado em 1992, dentro de seu apartamento. O criminoso foi certamente um de seus musos, mas o crime, a exemplo de tantos outros assassinatos de homossexuais, nunca foi sequer investigado.
Felizmente, o trabalho de Alair foi resgatado e preservado, e hoje ele é considerado um dos grandes fotógrafos do país. Em 2001, quando a Fundação Cartier-Bresson, em Paris, fez uma grande exposição das imagens de Alair, o diretor da Fundação, Hervé Chandès, escreveu: “Em nus masculinos, não há nada hoje comparável no mundo da fotografia ao trabalho deste brasileiro”.
Bom fim de semana a todos.
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