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Contra a mesmice… Billy Wilder!

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Sabadão de noite, friozinho bom para se esconder no sofá debaixo de cobertas, e a questão era: o que assistir? Os episódios de “True Detective” que deixamos gravados? Algum filme novo que havíamos perdido no cinema? Com tantas opções em Netflixes e afins, a tendência é sempre buscar algo novo ou, pelo menos, inédito.

Mas a perspectiva de perder a noite de sábado vendo o duelo de ruindade entre Vince Vaughn e Colin Farrell em “True Detective” nos fez optar pelo mais seguro, e acabamos revendo, pela enésima vez, “Sunset Boulevard” (“Crepúsculo dos Deuses”), de Billy Wilder.

O filme foi lançado há 65 anos e é mais criativo, original, surpreendente e transgressor do que qualquer coisa que se vê na TV ou no cinema hoje.

William Holden faz Joe Gillis, um roteirista fracassado que acaba na mansão decrépita de Norma Desmond (Gloria Swanson), uma atriz cinquentona que foi estrela do cinema mudo. Desmond vive há décadas no ostracismo, mas, em sua cabeça perturbada, ainda se acha uma celebridade. Ela vive sendo paparicada pelo enigmático e sorumbático Max (Erich von Stroheim), seu faz-tudo – é chofer, segurança, babá e médico da atriz.

O filme mistura realidade e ficção. Gloria Swanson (1899-1983) foi uma famosa atriz do cinema mudo que viu sua fama diminuir na década de 1930, depois do advento do cinema sonoro. Ninguém estava mais apta a interpretar Norma Desmond do que ela.

Vários companheiros de Swanson na época de ouro do cinema mudo fazem parte do elenco: o diretor Cecil B. DeMille (1881-1959), que fez diversos filmes com a atriz, interpreta a si mesmo e protagoniza uma das cenas mais tristes do cinema, quando precisa enganar Norma Desmond dizendo que pretende trabalhar com ela, quando sabe que o tempo da atriz já passou e que ela não passa de uma relíquia empoeirada de Hollywood.

Em outra cena linda e melancólica, vários astros e diretores do cinema mudo – Buster Keaton, H.B. Warner, Anna Q. Nilsson e a colunista social Hedda Hopper – aparecem na mansão de Norma Desmond, jogando cartas. O ator que interpreta Max, Erich von Stroheim, é um cineasta e ator extraordinário que havia dirigido, em 1924, o clássico “Greed” (“Ouro e Maldição). E os diálogos do filme citam inúmeros nomes famosos de Hollywood, como Greta Garbo, D.W. Griffith, Adolphe Menjou e Rudolph Valentino, entre outros.

“Sunset Boulevard” foi o tributo de Billy Wilder (1906-2002) ao cinema mudo e sua condenação ao esquecimento público de que os astros silenciosos foram vítimas depois do advento do cinema sonoro. O roteiro foi escrito em parceria com Charles Brackett, com quem Wilder fez 13 filmes, e teve participação de D.M. Marshmann Jr. Os três dividiram o Oscar de melhor roteiro original.

E que roteiro: cada segundo é uma preciosidade. Não há uma cena fora do lugar ou que dure mais que o necessário. Os diálogos são sofisticados e cheios de ironia e inteligência. Nem a estranheza de ter um narrador morto – o filme começa com uma narração em “off” de Joe Gilis, que aparece morto na piscina da mansão (teria Wilder lido “Memórias Póstumas de Brás Cubas”?) – atrapalha.

 

 

“Sunset Boulevard” funciona em tantos níveis que chega a ser assustador. É um drama comovente sobre personagens esquecidos e à margem da fama, uma crítica pesada à ingratidão de Hollywood e do público com seus antigos ídolos, um relato ácido sobre o culto a celebridades, uma história trágica de insanidade, amor não correspondido e obsessão, e uma porrada na cara dos estúdios hollywoodianos, dirigidos por ineptos e pessoas sem talento. É a vingança de Billy Wilder contra tudo que julgava errado no cinema e em Hollywood. É um dos grandes filmes do cinema e merece ser revisto ad infinitum, tornando nossas noites de sábado muito mais agradáveis.

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