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Heróis anônimos do pop

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O Netflix gringo exibe o documentário “The Wrecking Crew”, de Danny Tedesco.

“Wrecking Crew” (“Equipe de Demolição”) era o apelido dado a um grupo de músicos de estúdio que dominou a cena musical de Los Angeles entre meados da década de 50 e o início dos anos 70.

Ninguém sabe ao certo quantos músicos faziam parte do grupo – estimativas variam de 15 a 30 – mas alguns dos principais nomes eram os guitarristas Tommy Tedesco, Glen Campbell, Al Casey e Bill Pitman, os bateristas Hal Blaine e Earl Palmer, os saxofonistas Plas Johnson e Steve Douglas e os baixistas Carol Kaye e Larry Knechtel.

Por uns 15 anos, essa turma dominou os estúdios de gravação na capital da indústria do entretenimento nos Estados Unidos, gravando discos de Beach Boys, Frank Sinatra, Sonny and Cher, Simon & Garfunkel, Nat King Cole, Herb Albert, The Mamas & the Papas, Carpenters, Monkees, Neil Diamond e quase todo o pop americano.

O baterista Hal Blaine calcula ter gravado mais de 35 mil músicas em sua carreira; Plas Johnson gravou o tema da “Pantera Cor de Rosa”, de Henry Mancini; Carol Kaye gravou a guitarra de “La Bamba” e o baixo de “Good Vibrations” (veja um trecho do filme sobre a gravação deste clássico dos Beach Boys):

Músicos de estúdio não costumavam receber créditos nos discos, o que os tornaram verdadeiros heróis anônimos do pop. O grande público não tinha a menor ideia de quem era Hal Blaine, mas conhecia centenas de músicas famosas que ele havia gravado.

O surgimento da profissão de músico de estúdio só foi possível por causa do crescimento absurdo da indústria musical nos anos 1950. Com o aparecimento do rock’n’roll e a explosão do mercado de música para jovens, as gravadoras começaram a inundar as lojas com discos para aproveitar o apetite teen por músicas alegres e dançantes. E ter um time como o Wrecking Crew, capaz de gravar um disco inteiro em um dia, era uma vantagem imensa.

O ritmo de trabalho dos músicos era intenso. O guitarrista Bill Pitman conta que não era incomum fazer três sessões por dia, de manhã, à tarde e à noite, em diferentes estúdios da cidade.

Os caras gravaram tanto que nem lembram todas as sessões de que participaram. O guitarrista Tommy Tedesco conta no filme: “É comum alguém chegar pra mim e perguntar sobre meu trabalho em determinado disco, e eu não ter a menor ideia do que ele está falando.”

Isso não acontecia só nos Estados Unidos, mas no Brasil também. Por aqui, alguns dos músicos de estúdio mais procurados faziam parte de bandas como Os Carbonos, Fevers, Renato e seus Blue Caps, Roupa Nova, Azymuth e Banda Black Rio. Entrevistei alguns desses músicos para meu livro “Pavões Misteriosos”, e eles disseram a mesma coisa: os arranjadores chegavam ao estúdio com as partituras e os músicos nem sabiam para quem estavam gravando determinada canção.

Raul Carezzato, dos Carbonos, contou que em 1969 gravou uma música para o maestro Rogério Duprat. Meses depois, ouviu a música no rádio. Era “Que Pena”, de Jorge Ben, lançada em um disco de Gal Costa.

Na Inglaterra isso também era comum. Um dos guitarristas mais ocupados em estúdios ingleses na primeira metade dos anos 1960 foi Jimmy Page. “Naquela época a gente gravava e nem sabia de quem era a música. As sessões eram ininterruptas, uma depois da outra, sem intervalo. Nem eu tenho a lista de tudo que gravei e, sinceramente, não lembro muita coisa. Posso estimar quantas são. São muitas, posso garantir. Fiz isso por três anos seguidos, três sessões de gravação por dia”, disse Page.

Ele conta um episódio curioso: “Outro dia eu estava ouvindo a BBC e eles tocaram uma canção. Eu disse: ‘Meu Deus, sou eu que estou tocando!’ Era ‘I’ve Got Everything You Need, Babe’, de Bern Elliot & the Fenmen’. Então eu certamente gravei essa canção, porque sou eu sem sombra de dúvida.”

Voltando ao Wrecking Crew: a época de ouro dos músicos de estúdio durou até o início dos anos 1970, quando surgiu a onda dos cantores-compositores – James Taylor, Carole King, Neil Young, etc. – e gravadoras passaram a investir mais em artistas “autênticos”, que tocavam as próprias músicas e tinham suas próprias bandas. Gente como Tommy Tedesco e Plas Johnson passaram a trabalhar em cinema, TV e publicidade.

Foi o fim de uma era.

P.S.: Estarei fora hoje até o meio da tarde e impossibilitado de moderar comentários. Se o seu comentário demorar a ser publicado, peço desculpas e um pouco de paciência. Obrigado.

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