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O barquinho que venceu a “Tempestade Perfeita”

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32 O barquinho que venceu a Tempestade PerfeitaMeu amigo Randy Leasure é um velejador experiente da costa californiana e está envolvido em um projeto muito interessante: um documentário sobre a Westsail, uma fabricante de veleiros que fez sucesso no mundo náutico nos anos 1970.

Semana passada, Randy começou uma campanha de “crowdfunding” para arrecadar 30 mil dólares para a produção do filme, que se chamará “Westsail the World” (leia mais aqui).

A Westsail era uma empresa familiar e idealista cujo objetivo foi oferecer um barco barato, simples e resistente, capaz de ser navegado por uma só pessoa para qualquer parte do mundo.

Seu modelo mais popular era o Westsail 32 (também conhecido por W32), um barco de 32 pés (9,8 metros) que surpreendeu pela segurança e robustez. Era um barco lento, mas capaz de atravessar qualquer tempestade. Dizia-se que era construído como um tanque – e navegava como um.

Entre 1971 e 1980, a empresa fabricou cerca de 1100 barcos (830 só do modelo W32). A grande maioria continua navegando até hoje e pode ser adquirida nos EUA por preços que variam de 30 mil a 40 mil dólares. Mesmo com o sucesso, a Westsail faliu, devido à falta de experiência corporativa de seus donos. Os caras entendiam de barco, não de negócios.

A fama da Westsail cresceu devido a um episódio famoso no mundo da vela: em outubro de 1991, o furacão Grace passava pela costa leste dos Estados Unidos, quando juntou-se a uma tempestade que vinha do nordeste da América do Norte e formou um novo furacão, que chegou à costa norte-americana com ventos de 120 km por hora e ondas de 10 metros de altura. Próximo ao centro do furacão, uma boia de medição da Marinha registrou uma onda de 31,7 metros, a maior já medida na região. O furacão causou estragos em quase toda a costa leste do país e chegou a Porto Rico. Treze pessoas morreram, incluindo seis tripulantes do barco de pesca Andrea Gail, que afundou a 900 km da costa de Massachusetts.

O fenômeno ficou conhecido por “Tempestade Perfeita” e foi tema de um livro de Sebastian Junger, lançado em 1997 e levado às telas por Wolfgang Petersen em 2000 no filme "Mar em Fúria", estrelado por George Clooney e Mark Wahlberg (veja a versão hollywoodiana do fim do Andrea Gail):

O filme conta a história do Andrea Gail e de um veleiro chamado Mistral, que foi resgatado pela Marinha depois que sua tripulação pediu socorro. O nome verdadeiro do barco era Satori, um Westsail 32, e o resgate não aconteceu exatamente como descrito por Junger.

O Satori era de propriedade de Ray Leonard, um ambientalista americano e velejador dos mais experientes. Em 1991, Ray tinha 64 anos e conheceu duas artistas, Karen Stimpson e Susan Bylander, com quem combinou uma viagem até o Caribe. Karen e Susan disseram a Ray que eram velejadoras e estavam acostumadas com longas travessias.

O Satori partiu de Portsmouth, em New Hampshire, em direção ao Caribe, mas foi pego de surpresa pela somatória do forte vento nordeste com o furacão Grace.

Leonard já havia passado por muitas tempestades fortíssimas e não se desesperou. Optou por usar uma técnica chamada “lying ahull”, que consiste em simplesmente tirar todas as velas, travar o leme do barco e se abrigar na cabine, esperando a tempestade passar. À primeira vista, pode parecer uma saída simplória e “amadorística”, mas é considerado por muitos a maneira mais segura de velejar em condições extremas (veja aqui um exemplo da técnica):

Veleiros têm quilhas pesadíssimas e que funcionam como uma espécie de “João-bobo” em caso de o barco virar. Por várias vezes, ondas imensas tombaram o Satori, mas em menos de 30 segundos o barco retornava à posição horizontal.

Satori foi violentamente sacudido por cerca de 12 horas. Apesar de Leonard garantir que já havia passado por situações parecidas, as duas passageiras entraram em pânico. Uma das mulheres diria depois que as ondas chegavam a 10 metros de altura. Leonard disse que ela estava exagerando e que as ondas “não passavam de seis metros”.

O fato é que uma das passageiras pegou o rádio e pediu socorro à Guarda Costeira. Cerca de seis horas depois, um barco da Guarda Costeira aproximou-se do Satori e lançou um inflável com uma equipe de socorro. Mas uma onda imensa derrubou o Satori de lado e uma parte do leme acabou furando o inflável, impossibilitando o socorro.

A solução foi resgatar a tripulação de helicóptero. Ray Leonard, Karen Stimpson e Susan Bylander foram içados pelo helicóptero. No caminho, Ray deixou cair no convés do Satori uma bolsa à prova d’água com todos os seus documentos (veja imagens reais do resgate):

Nos dias que se seguiram, Ray alugou um pequeno avião e procurou Satori por toda a região. Seu medo era de que o barco fosse encontrado por outra embarcação. Pelas leis do mar, quem acha um barco à deriva torna-se dono dele. Muitos acreditavam que Satori estaria no fundo do Atlântico.

Depois de oito dias de busca, Satori foi encontrado nas areias de uma praia de Maryland. E mais impressionante: a bolsa com os documentos de Ray Leonard ainda estava no convés.

No filme, Leonard é mostrado como um irresponsável que pôs a vida da tripulação em risco com sua teimosia. Mas, para a comunidade náutica, tudo que ele fez foi confiar em sua técnica e em seu barco. E o Westsail 32 provou que era mesmo um “tanque”.

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