Você pode não conhecer o nome Don McCullin, mas certamente já viu algumas de suas fotografias.
A mãe chorando a morte do filho na guerra civil no Chipre. Uma criança albina e esquelética de Biafra olhando fixamente para a câmera. Um soldado americano arremessando uma granada no Vietnã. Outro soldado americano em estado de choque, segurando um rifle. Jovens irlandeses pulando um muro durante um conflito com tropas inglesas (imagem usada na capa do disco de estreia da banda pós-punk Killing Joke).
Don McCullin completa 80 anos em outubro. Desde 1964, quando foi cobrir a guerra civil no Chipre, até poucos anos atrás, quando passou a se dedicar a fotografar a natureza na Inglaterra, viajou pelo mundo documentando todo tipo de barbárie: Congo, Vietnã, Camboja, Beirute, Biafra, Chipre, a Ku Klux Klan no Mississipi e os neonazistas na Alemanha.
Suas imagens influenciaram não só outros fotógrafos – o grande James Nachtwey é um de seus discípulos – como fizeram a opinião pública olhar com atenção e horror as barbaridades perpetradas em rincões perdidos do mundo.
Para chegar perto das atrocidades, McCullin muitas vezes arriscou a própria pele. No Congo, fez-se passar por um mercenário para burlar o bloqueio a jornalistas imposto pelo governo; no Vietnã, que visitou 18 vezes, passou duas semanas acompanhando um batalhão norte-americano na sangrenta Batalha de Hué, que terminou com a morte de 70% do batalhão. Em outra ocasião, ainda no Vietnã, escapou da morte quando um tiro de AK-47 atingiu sua Nikon F.
O Netflix brasileiro traz “McCullin”, um filme muito simples e comovente sobre a vida do fotógrafo (caso você não tenha Netflix, aqui vai a íntegra do filme, com legendas em espanhol).
O documentário tem apenas dois entrevistados, o próprio McCullin e seu editor no “The Sunday Times”, Sir Harold Evans, mas os dois têm muito a dizer e o fazem com eloquência e profundidade raras.
Mais que uma cinebiografia sobre um profissional fora de série, o documentário é uma apologia ao jornalismo e à independência jornalística.
Dá vontade de chorar ouvindo Evans falar sobre a fase de ouro do “The Sunday Times” e a liberdade absoluta que seu dono, Lord Thomson, dava aos repórteres para cobrir histórias importantes.
Foi na revista dominical do jornal, “The Sunday Times Magazine”, que McCullin publicou alguns de seus ensaios mais impactantes. Hoje, essas revistas dominicais são dominadas por reportagens “leves” e divertidas, mas, nos anos 60 e 70, os britânicos se acostumaram a ver a dura realidade da guerra enquanto tomavam seu café da manhã. Como diz McCullin no filme: “Eu queria garantir que, quando eles vissem minhas fotos no domingo de manhã, tomando seu café, as imagens os atingissem duramente”.
Em 1981, Rupert Murdoch comprou o jornal e mudou sua linha editorial. No ano seguinte, McCullin foi tirado da cobertura da Guerra das Malvinas, o que o convenceu de que sua presença no staff era indesejada. “Era quase como se eles dissessem que Don era ‘honesto demais’ para estar naquela cobertura”, diz Harold Evans. Pouco depois, McCullin pediu demissão.
O stress e a violência das cenas que presenciou marcaram profundamente Don McCullin. No filme, ele relata sua impotência e desespero ao ver crianças famintas em Biafra e ao entrar em um manicômio para crianças no Líbano e encontrar dezenas de bebês amarrados às camas. “Não tenho pesadelos à noite”, diz o fotógrafo. “Meus pesadelos aconteceram de dia, enquanto eu estava em meu estado de atenção mais aguçado”.
Alguns dos trechos mais emocionantes do filme mostram McCullin tentando explicar o dilema moral de fotografar pessoas em momentos dramáticos. "No fim das contas", diz ele, "a fotografia tem de transmitir empatia pela humanidade. E eu sempre tentei ficar do lado da humanidade".
The post Don McCullin: nossos olhos na guerra appeared first on Andre Barcinski.