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Dez anos sem Link Wray, o punk original

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Em abril de 1958, a gravadora americana Cadence lançou um compacto do guitarrista Link Wray com duas músicas instrumentais: “Rumble” e “The Swag”.

“Rumble” foi imediatamente boicotada por rádios de todo o país. Programadores temiam a reação da juventude ao ouvir aquela bomba atômica. O que provocaria nos jovens? Surtos psicóticos? Ataques de loucura? Agressões gratuitas contra os mais velhos? Em 1958, nada – nada mesmo – se comparava a “Rumble” em termos de peso e agressividade.

É mais incrível ainda lembrar que a música não fora gravada em 1958, mas em 1954 – isso mesmo, 54, quando o som mais radical que o pop conhecia era Elvis cantando “That’s All Right” – e permanecera inédita por quatro anos antes da Cadence ter coragem de lançá-la.

Apesar do boicote de rádios – “Rumble” (“briga”, “confusão”) foi considerado apologia à delinquência juvenil – a música fez bastante sucesso e inspirou jovens como Dave Davies e Pete Townshend (este diria que se não fosse por “Rumble” ele nunca teria se tornado guitarrista).

Aqui está uma cena do documentário “A Todo Volume” que dá vontade de chorar: Jimmy Page, parecendo uma criança, fazendo “air guitar” ouvindo “Rumble”:

Corta. Dez anos depois. Fim dos anos 60.

O produtor musical Steve Verocca está em um bar vagabundo no estado da Virginia e descobre que Link Wray vai se apresentar ali. Não há mais de 20 pessoas no lugar, e ninguém parece prestar muita atenção em Wray. Àquela altura ele era um esquecido, uma relíquia quarentona tornada obsoleta por Beatles, Stones e a Invasão Britânica.

Wray morava em uma casa pobre no interior de Maryland e, segundo disse Verocca à revista “Uncut”, não tinha dinheiro nem para alimentar a família. Sua banda – Link, o irmão Doug na bateria e o baixista e tecladista Billy Hodges – ensaiava em um velho galinheiro convertido em estúdio. Link usava uma velha guitarra japonesa que havia comprado em uma loja de penhores e um amplificador que ele próprio havia construído a partir de um velho rádio valvulado.

Verocca convenceu a gravadora Polydor a dar mais uma chance a Link Wray. O resultado foram três discos – “Link Wray” (1971), “Mordicai Jones” (1972) e “Beans and Fatback” (1973) – todos gravados no galinheiro em TRÊS canais (a produção do primeiro LP era tão pobre que a percussão foi gravada com os músicos batucando em pedaços de madeira e latas, já que nem bateria tinham). Eram LPs diferentes do surf-rock instrumental que Wray gravara até então, misturando country pesado e blues, e com uma novidade: Wray cantava. Os discos lembram muito o som do Crazy Horse e The Band.

Ouça a linda “Fire and Brimstone”, uma das melhores faixas do LP “Link Wray”, de 1971 (e regravada por Mark Lanegan na trilha do filme "Lawless", com roteiro de Nick Cave):

Os três discos foram reunidos na caixa “3-Track Shack”, que acaba de sair na gringa. Nenhum deles vendeu muito na época, mas pelo menos incentivaram Link Wray a retomar a carreira. Ele mudou para São Francisco e emendou três décadas de turnês ininterruptas.

Aqui está Link Wray e banda numa versão matadora de “Rawhide”, em 1974:

Hoje é aniversário de dez anos da morte de Link Wray. Boa ocasião para lembrar o homem que inventou o punk quando Sid Vicious ainda usava fralda.

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