No fim dos anos 90, entrevistei Mister Sam, o produtor argentino responsável por hits de Gretchen como “Freak Le Boom Boom” e “Conga, Conga, Conga”. Perguntado sobre o segredo de uma música de sucesso, Sam disse algo como: “O mais importante é ter um “refrán” (refrão) infantil, que qualquer criança ouça uma vez e já saia por aí repetindo”.
Lembrei essa frase de Sam há poucos dias, quando andava de carro com nossos filhos. De repente, nosso caçula, que tem três anos e meio, começou a cantar: “Meia-noite no meu quarto... ela vai surgir...” Quase caímos de costas. Era, claro, o verso inicial de “Menina Veneno”, de Ritchie, música que está em uma coletânea de pop-rock brasileiro que tocamos com alguma frequência em passeios da família.
A coletânea tem umas 80 músicas. As preferidas das crianças, além de “Menina Veneno”, são “Pelo Interfone” (Ritchie), “Planeta Água” (Guilherme Arantes”), “Conga, Conga, Conga” (Gretchen), “O Vira” (Secos e Molhados), “Sossego” (Tim Maia), “Ide a Mim Dada” (Raul Seixas), “Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)”, de Jorge Ben e “Doce Vampiro” (Rita Lee).
Por outro lado, elas reclamam quando colocamos “Feito Gente” (Walter Franco), “Ouro de Tolo” (Raul Seixas) ou “Amor, Meu Grande Amor” (Ângela Ro Rô). Não por coincidência, todas canções de letras mais longas, intrincadas e sem o tal "refrán infantil" sugerido por Mister Sam.
Elas não parecem ter preferência por artistas específicos, mas por canções. Adoram certas músicas de Raul (“Al Capone”, “Gita”, “Mosca na Sopa”) e não ligam para outras (“A Verdade sobre a Nostalgia”, “Maluco Beleza”). Amam o mantra de “Bat Macumba” com os Mutantes, mas reclamam quando colocamos “Panis et Circensis” (“Muito chata essa!”).
Começamos a fazer umas experiências musicais em casa. Fizemos umas listas no Spotify reunindo três ou quatro músicas de astros do pop como Michael Jackson, Stevie Wonder e Elton John. Selecionamos músicas ótimas, mas sempre com o cuidado de colocar no meio delas o maior – ou um dos maiores - hits de cada um dos artistas: “Billie Jean”, “I Just Called to Say I Love You” e “Can You Feel the Love Tonight”.
O resultado foi impressionante: as crianças pareceram curtir todas as músicas, mas reagiram com mais alegria e empolgação justamente nessas três canções, e sem ter nenhuma referência sobre elas. Foram reações instintivas e irracionais, motivadas somente pela sonoridade. Em uma audição, as músicas penetraram no subconsciente da molecada. E a gente não aguenta mais nossa filha de sete anos pedindo para ver Michael Jackson fazendo o “Moonwalk” durante “Billie Jean”. Pop é isso.
The post Música pop é coisa de criança appeared first on Andre Barcinski.