Quantcast
Channel: Andre Barcinski
Viewing all articles
Browse latest Browse all 575

Os últimos dias de Pasolini

$
0
0


Um filme sobre Pier Paolo Pasolini dirigido por Abel Ferrara. Que bom que esse projeto terminou nas mãos de Ferrara, um diretor que parece ter afinidade com o cinema sujo, violento e poético do gênio italiano. Não dava para esperar nada de muito normal dessa reunião de talentos, e o resultado é um filme estranho e surpreendente.

Ferrara se concentra nos últimos dias de vida de Pasolini. Estamos em Roma, em 1975: Pasolini (Williem Dafoe, extraordinário) acaba de lançar “Salò”, seu polêmico e ofensivo filme baseado no romance “120 Dias de Sodoma”, do Marquês de Sade.

Pasolini sente-se isolado numa sociedade que o rejeita. Quando um repórter pergunta se ele é costumeiramente xingado na rua, o cineasta-poeta-escritor responde: “Sim, muitas vezes, mas não me perturbo com isso, porque não sou um moralista”.

Ele ama o cinema. “Mesmo que eu fosse o último ser sobre a Terra, continuaria a filmar, porque sinto necessidade disso, é algo que me dá prazer”. Seu novo projeto é um filme lúdico e misterioso sobre dois homens que chegam a uma cidade que descobrem ser Sodoma.

Pasolini queria escalar nos papéis principais o famoso ator italiano Eduardo De Filippo e Ninetto Davoli, ator de dez de seus filmes. O diretor descobrira Davoli, então com 15 anos, em “O Evangelho Segundo São Mateus” (1964) e os dois foram amantes por muitos anos. No filme de Ferrara, De Filippo é interpretado pelo próprio Davoli.

Ferrara acompanha os últimos dias da vida de Pasolini: as entrevistas para o lançamento de “Salò”, a sensação de deslocamento e isolamento numa sociedade italiana cada vez mais conservadora e materialista, a crescente dificuldade para produzir seus filmes, a placidez da vida familiar em companhia da mãe, Susanna, e da prima, Gabriela, em contraste com as escapadas noturnas para explorar o submundo gay em noitadas com garotos de programa, até o fim brutal, morto a pancadas em um terreno baldio.

Ferrara não se preocupa com detalhes biográficos. Sua intenção é captar o espírito anárquico e combativo de Pasolini e mostrar sua aflição com um mundo que não o compreendia e que ele parecia não compreender de volta.

Durante a entrevista para o lançamento de “Salò”, possivelmente o momento-chave do filme, o cineasta define o momento político, social e cultural da Itália de 1975 como “a situação”: “Eu desço ao inferno, e sei muitas coisas que ainda não tiram a paz dos outros. Mas fiquem atentos: o inferno vai chegar a vocês (...) Não se iludam: vocês, com a sua escola, a televisão, a pacatez de seus jornais, vocês são os grandes conservadores dessa ordem horrenda baseada na ideia de possuir e na ideia de destruir”.

Simultaneamente ao lançamento do filme de Ferrara, algum gênio teve a brilhante ideia de relançar, em cópia restaurada, um dos melhores filmes de Pasolini, “Mamma Roma” (1962). Que sessão dupla imperdível.

The post Os últimos dias de Pasolini appeared first on Andre Barcinski.


Viewing all articles
Browse latest Browse all 575