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Lama em Mariana, microcefalia no Nordeste: de quem é a culpa?

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lama Lama em Mariana, microcefalia no Nordeste: de quem é a culpa?
As duas grandes tragédias brasileiras de 2015 – excetuando o Congresso, que é uma fonte perene de tragédias – foram o rompimento da barragem em Mariana e o surto de microcefalia no Nordeste, que já atingiu 400 crianças em sete estados e ameaça se propagar pelo país todo.

Não vou tentar apontar culpados, por dois motivos: o primeiro é que não quero transformar este espaço em Fla x Flu ideológico/partidário, e qualquer discussão hoje em dia acaba virando um embate entre “petralhas” e “coxinhas”. E o segundo é que não acredito ser possível apontar com exatidão os responsáveis pelos casos, porque a culpa é generalizada.

No caso de Mariana, a empresa Samarco, que explorava as barragens, parece não ter cumprido uma série de exigências técnicas. Por outro lado, Minas Gerais tem apenas quatro fiscais para vistoriar 735 barragens, e o ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga, admitiu que cortes no orçamento limitaram os gastos com fiscalização a apenas 13,2% do total previsto para 2015.

De quem é a culpa? De quem não trabalhou direito ou de quem não fiscalizou? Dos órgãos fiscalizadores estaduais ou federais? Esses quatro técnicos mineiros têm capacidade técnica para avaliar os riscos de barragens? Por que só 34% das 735 barragens em Minas foram fiscalizadas em 2014? Por que o governo federal “contingenciou” (eufemismo para “cortou”) a verba para fiscalização?

O caso do surto de microcefalia é semelhante. Há fortes suspeitas de que tenha relação com o zika vírus, transmitido pelo mosquito da dengue. E todo mundo lembra a recente epidemia de dengue que atingiu cerca de um milhão de brasileiros este ano. De São Paulo ao Acre, poucos estados escaparam (só em SP morreram 170 pessoas). Mais da metade dos casos de bebês com microcefalia ocorreram em Pernambuco.

Ficam as perguntas: as campanhas de prevenção à dengue estão sendo realizadas de forma adequada? Temos fiscais em número adequado? Os hospitais estão preparados? O combate ao mosquito da dengue em Pernambuco foi satisfatório?

Aposto que não.

Pegue todas as tragédias recentes no país: os 242 mortos no incêndio da boate em Santa Maria em 2013, os mais de mil mortos nos deslizamentos de terra na região serrana do Rio em 2011, qualquer uma. Em todas, a “culpa” foi de um misto de irresponsabilidade, falta de fiscalização e ausência de controle público. Culpar um ou outro só esconde o verdadeiro problema, que é a fragilidade de nossos governos – em todos os níveis - e órgãos reguladores e fiscalizadores.

Trabalhei por quase dez anos no setor de produção de eventos e casas noturnas e tive de lidar com toda a burocracia estatal que isso envolve, incluindo emissão de alvarás, licenças de funcionamentos, autos e vistorias de bombeiros, polícia, departamento de trânsito e órgãos de fiscalização trabalhista.

Minha conclusão: no Brasil, as leis foram criadas para serem inexequíveis e jogar todo mundo na ilegalidade. Quem diz que a burocracia brasileira é desorganizada não sabe de nada. Nossa burocracia é uma máquina perfeita e azeitada, que garante que nada funcione sem despachantes, corrupção e trocas de favores.

Alguém acha, por exemplo, que o Ministério do Meio Ambiente não sabe que o Ibama, principal órgão de vigilância ambiental do país, tem TRÊS barcos para fiscalizar 7300 km de litoral? Claro que sabe. Mas o Ibama, assim como a grande maioria de nossos órgãos públicos de fiscalização, é propositalmente sabotado para não conseguir cumprir suas funções, o que gera uma rede imensa de ilegalidade, que só favorece a fiscais corruptos e empresas que conseguem driblar as regras.

No dia em que as regras forem claras, os alvarás, expedidos com rapidez e transparência, e a fiscalização, contínua e eficiente, o ciclo de corrupção acaba. É mais fácil o litoral do Espírito Santo virar um mar de lama do que isso acontecer.

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