Em 31 de outubro de 1963, Ed Sullivan, o famoso apresentador de TV norte-americano, estava com a esposa no aeroporto de Heathrow, em Londres, quando viu uma multidão de meninas adolescentes gritando histericamente. Elas esperavam pelos Beatles, que voltavam de apresentações na Suécia. “Quem diabos são os Beatles?”, perguntou Sullivan. Impressionado com a reação das fãs, Sullivan agendou a banda para seu popular show na rede de TV CBS, em Nova York, em fevereiro de 1964. A participação dos Beatles foi vista por 73 milhões de norte-americanos, bateu recordes de audiência e deu início à Beatlemania em escala global.
É uma história divertida e recontada incontáveis vezes no último meio século. Mas é só parte da história. Na verdade, produtores do programa de Ed Sullivan já estavam de olho nos Beatles bem antes do episódio em Heathrow, e mantinham conversas com o empresário da banda, Brian Epstein. Mas Sullivan ainda não estava convencido. Nenhum artista pop britânico fazia sucesso comercial nos Estados Unidos, e aqueles quatro rapazes de cabelo tigelinha pareciam rebeldes – pelo menos para Sullivan, o suprassumo da caretice. Depois que viu a comoção no aeroporto e leu sobre o incrível sucesso dos Beatles no Reino Unido, o apresentador finalmente decidiu agendar a banda.
Os Beatles apareceram ao vivo no programa por três domingos consecutivos, mas foi a primeira aparição, em 9 de fevereiro de 1964, que ficou para a história. Veja:
Muito se falou sobre a importância histórica desse programa. No recente livro “Yeah, Yeah Yeah! – The Story of Modern Pop”, o autor Bob Stanley escreveu: “Foi possivelmente o mais significativo evento cultural da América do pós-guerra. A ascensão da banda, seu sucesso e impacto na sociedade foram sem precedentes.”
Para entender o fenômeno, é preciso lembrar as circunstâncias sociais, políticas e culturais do período. Os Beatles chegaram aos Estados Unidos numa época terrível, logo após o assassinato de John Kennedy, no auge da Guerra Fria e da paranoia atômica. O país passava por conflitos raciais que resultariam, naquele mesmo ano de 1964, em manifestações violentas, culminando com o conflito de Watts, em 1965.
Agora, ponha-se no lugar de uma família americana de classe média, que vivia com medo de mísseis soviéticos, de radicais negros e de ter um filho mandado para o Vietnã. E imagine a alegria de ligar a TV e ver, em vez de prédios em chamas ou porradas entre negros e policiais, os Beatles – joviais, divertidos, carismáticos - tocando músicas alegres e românticas. Eles encarnavam o "novo".
Outro fato importante: os Beatles foram os primeiros artistas pop a fazer sucesso com toda a família. Até os Fabs aparecerem, o rock era feudo de adolescentes. Quando Elvis explodiu, no mesmo programa de Ed Sullivan, em 1956, filhos vibraram e pais se revoltaram. Ele era o demônio lascivo que desceu à Terra para seduzir nossas filhas. Os Beatles não. Os Beatles tinham tocado pra Rainha da Inglaterra, ora.
Em seu livro “Unsung Heroes of Rock’n’Roll”, Nick Tosches – pra mim, quem melhor escreveu sobre o rock, ever – diz, com sua aspereza habitual, que o rock já estava morto pelo menos dez anos antes de os Beatles chegarem à América. “O circo estava completo, a besta do rock’n’roll havia sido domada para as massas, quando Elvis - outro puto morto - apareceu (...) em seu terceiro disco, ‘Milkcow Blues Boogie’, lançado em dezembro de 1954, o poder primal já havia virado baba (...) e ele não tinha para onde ir depois daquilo, até ‘Bossa Nova Baby’ (1963), quando apareceram então os Beatles, ou o começo do rock’n’roll enquanto cultura, com seu sotaque britânico de merda – cultura, e nem um “From a Buick 6” (música de Bob Dylan) no verão de 65 poderia nos salvar.”
Tosches está certo. Os Beatles no Ed Sullivan foram o “Big Bang”, o marco zero da cultura pop. Pode-se dizer que os anos 60 - ou pelo menos os anos 60 idealizados em comerciais e filmes, com gatas nuas dançando sons psicodélicos, minissaias a granel, revolução sexual, tecnicolor, pílulas, paz, amor, LSD, Swinging London e meninas dando flores para soldados – começaram naquele programa. It was fifty years ago today.
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