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Steve Jobs: personagem frio num filme gelado

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Os dois filmes mais recentes do roteirista Aaron Sorkin, “A Rede Social” (2010) e “Moneyball – O Homem Que Mudou o Jogo” (2011) são parecidos. Ambos têm como protagonistas homens obcecados por exatidão e tecnologia. O primeiro, claro, é Mark Zuckerberg, fundador do Facebook. O segundo é o gerente de um time de beisebol, interpretado por Brad Pitt, que usa números e estatísticas para montar seus times.

Quando li que Sorkin seria o roteirista de uma cinebiografia de Steve Jobs (1955-2011) baseada na biografia escrita por Walter Isaacson, achei a escolha certa. Sorkin parecia o roteirista perfeito para traduzir para o público, de forma compreensível e interessante, as brigas corporativas e os dilemas criativos que marcaram a vida de Jobs.

Infelizmente, “Steve Jobs”, o filme, não decola. Apesar das soluções narrativas arriscadas e criativas imaginadas por Sorkin e pelo diretor Danny Boyle (“Trainspotting”), o resultado é um filme frio, chato e prolixo, em que Jobs sai como um picolé de chuchu sem graça e sem alma, bem diferente do personagem complexo relatado por Isaacson.

O filme é estruturado em três “atos”, três lançamentos marcantes de Jobs: o do primeiro Macintosh, em 1984, o do “cubo” da NeXT, em 1988 e, finalmente, o do iMac, em 1998. Toda a ação do filme acontece nos bastidores desses eventos, onde Jobs encontra o co-fundador da Apple, Steve Wozniak (Seth Rogen), o CEO da Apple, John Sculley (Jeff Daniels) e o engenheiro Andy Hertzfeld (Michael Stuhlbarg), além de uma antiga namorada, Chrisann, que traz a tiracolo a pequena Lisa, que Chrisann diz ser filha de Jobs. Durante todo o período mostrado no filme, Jobs tem a companhia da executiva Joanna Hoffman (Kate Winslet), sua confidente e conselheira.

Sorkin e Boyle optaram por uma estrutura narrativa diferente das cinebiografias tradicionais. Nada de cenas do jovem Steve tendo seu “momento Eureca” e inventando a Apple, ou coisa parecida. Ponto para eles. O filme é narrado aos pulos, nesses três “atos”, com alguns flashbacks ocasionais para explicar as circunstâncias.

Assim, vemos Jobs nos bastidores do lançamento do primeiro Mac, discutindo com Wozniak, que implora para que ele agradeça à equipe que criou o Apple 2; Jobs aos berros com Scully, em 1998, lembrando a noite traumática em que a diretoria da Apple o demitiu, e Jobs brigando com a ex-namorada, Chrisann, e garantindo que não é pai da menina Lisa.

A solução é boa, mas não funciona, em grande parte porque Sorkin e Boyle mostram os clímax de cada situação sem se preocuparem em construir dramaticamente as cenas. Vemos muita gritaria, angústia e ressentimento, mas não dá para entender de onde vem tudo aquilo. É como presenciar uma briga sem saber os motivos: você não consegue tirar os olhos da cena, mas não tem nenhum envolvimento emocional com ela.

O que sobram são os diálogos sempre longos, espertos e ultrarrápidos de Sorkin (não é surpresa que ele seja o roteirista contemporâneo predileto de Tarantino, outro cara que adora diálogos espertos demais para serem credíveis e disparados com a velocidade de uma metralhadora).

Jobs é mostrado como um sujeito gélido, com um ego do tamanho de um bonde e arrogante ao extremo. Não seria problema se o personagem fosse interessante, mas não é o caso. Esse Steve Jobs parece uma caricatura, coisa que nenhum personagem de Sorkin pareceu até agora. Para piorar, Michael Fassbender não se parece em nada com Jobs, o que realça a impressão de distanciamento do personagem e o torna ainda mais falso. Uma rara bola fora de Aaron Sorkin.

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