Os horários são péssimos, mas sempre dá pra gravar: na sexta, dia 19, às 7 da manhã, e domingo, dia 20, ao meio-dia, o canal BIS reprisa o documentário "Muscle Shoals", sobre o lendário estúdio FAME e seu criador, o incomparável Rick Hall.
Em 2014, escrevi sobre o filme:
Rick Hall foi, junto a Sam Phillips, Berry Gordy e Phil Spector, um dos maiores visionários do pop americano. No início dos anos 60, ele fundou em Muscle Shoals, uma cidadezinha de oito mil habitantes no Alabama, um estúdio modesto, o FAME, que se tornaria lendário graças à qualidade de gravação e aos grooves de sua banda, os Swampers, cinco caipiras branquelos que formaram um dos combos mais funky do planeta e gravaram com Aretha Franklin, Percy Sledge, Wilson Pickett e Etta James, entre centenas de outros.
Hall teve uma vida miserável: criado numa família paupérrima em um barraco de chão de terra, perdeu o pai, o irmão mais novo e a esposa em acidentes terríveis. A mãe não aguentou a barra, largou a família e se prostituiu. Perto dele, Roy Orbison foi o mais feliz dos homens.
A salvação de Hall foi a música. Ele juntou um grupo de meninos locais – Roger Hawkins (bateria), Barry Beckett (teclados), David Hood (baixo), Pete Carr (guitarra) e Spooner Oldham (teclados) - e começou a gravar artistas desconhecidos. Mas seu faro para talento era impressionante, e o primeiro cantor que gravou foi Arthur Alexander, cujas músicas “Anna” e “You Better Move On” foram regravadas por duas bandinhas que estavam surgindo na época: Beatles e Rolling Stones. Aliás, Alexander é o único compositor gravado por Beatles, Stones e Dylan (que gravou “Sally Sue Brown”).
Hall era obsessivo: gravava cem takes de uma canção até se dar por satisfeito. O som que ele e os Swampers tiravam daquele estúdio minúsculo e primitivo logo começou a chamar a atenção. Paul Simon ligou atrás daquela “banda negra” que fazia um som tão grooveado, e quase caiu de costas quando descobriu que eram todos brancos. Num Alabama onde negros e brancos ainda bebiam água em bebedouros separados, Hall contratou vários músicos negros e criou uma gravadora sem distinção de cor.
Mas os Swampers logo cansaram de ser apenas coadjuvantes, e montaram seu próprio estúdio, o Muscle Shoals Sound Studios. Tornaram-se rivais de Hall, que criou outras bandas de estúdio igualmente fabulosas. Nas décadas seguintes, Muscle Shoals virou um dos epicentros da indústria musical nos Estados Unidos. Lynyrd Skynyrd, Stones, Cher, Bob Seeger, Traffic, Rod Stewart, Joe Cocker, Dire Straits, Bob Dylan e dezenas de artistas famosos foram à cidade atrás daquele som tão “quente” e particular.
As cenas de arquivo são de cair o queixo. Tem Percy Sledge gravando “When a Man Loves a Woman”, Keith e Mick babando no console de gravação ao ouvir a guitarra de “Brown Sugar”, e Wilson Pickett cantando “Land of a Thousand Dances”. Keith diz que queria gravar “Exile on Main Street” inteirinho lá, mas que “a polícia não deixou”. “Aquele lugar tem algo de mágico”, diz o guitarrista dos Stones. “Acho que nunca gostei tanto de gravar em algum lugar”.
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