Duas histórias rápidas.
Uma vez, vi uma entrevista do cineasta George Romero em que ele falava de “A Noite dos Mortos-Vivos”, o clássico “cult” de zumbis que dirigiu em 1968. O entrevistador perguntou como ele pôde fazer um filme tão sanguinolento e transgressor, numa época em que o cinema de terror não era tão explícito. “Só fiz aquele filme daquela maneira porque ninguém disse que eu não poderia,” respondeu Romero.
Há alguns meses, entrevistei André Midani, ex-chefão da Philips e da Warner e um dos executivos mais importantes da música no Brasil. Eu queria saber por que a Philips, uma gravadora multinacional e poderosa, havia bancado discos tão estranhos e experimentais quanto “Novo Aeon” (1975), de Raul Seixas, “A Tábua de Esmeralda” (1974), de Jorge Ben, e “Carlos, Erasmo” (1971), de Erasmo Carlos, todos fracassos de venda na época do lançamento. Resposta de Midani: “Porque eu achei, com toda honestidade, que eram discos maravilhosos e fariam grande sucesso.”
As duas entrevistas podem ajudar a responder, pelo menos em parte, a uma pergunta que sempre faço e, tenho certeza, muita gente também: por que tantos discos e filmes bons foram lançados nos anos 60 e 70?
Não acredito que as gerações anteriores de músicos e cineastas sejam, necessariamente, mais talentosas que as gerações mais recentes. Também não acredito que o talento “some” de alguns artistas – como explicar o fato de Erasmo nunca mais ter feito discos tão bons quanto os do início dos anos 70?
Acredito, sim, que muito pode ser explicado pelos métodos de produção e circunstâncias de mercado. Basicamente, o cinema e a música eram melhores porque havia menos pressão mercadológica pelo sucesso, e os artistas eram deixados mais livres para criar.
Pode ser uma visão meio romântica da coisa, mas é corroborada por muita gente. Entrevistei cerca de 60 artistas, produtores e executivos de gravadoras para um livro sobre a música brasileira dos anos 70, e quase todos me disseram o mesmo: a partir do momento em que a indústria começou a se profissionalizar, no fim dos 70/início dos 80, o processo de gravar um disco se tornou mais lento e esquemático, e isso tornou a música cada vez mais medíocre, no sentido de tentar apelar a um público cada vez mais amplo. O radicalismo e a experimentação foram, pouco a pouco, sendo extirpados.
O mesmo ocorreu com o cinema. Antes da explosão do VHS e do mercado de venda de filmes para TV, cineastas se preocupavam apenas com o lançamento em salas de cinema. No fim dos 70, depois do sucesso do cinema “blockbuster” de Lucas, Spielberg e cia., a indústria passou a faturar alto alugando filmes em fita diretamente para o consumidor e vendendo títulos para TV, e o cinema mudou. Filmes passaram a exibir, cada vez mais, uma estética adequada à televisão, inclusive com “pausas” na trama para os comerciais (falo do cinema comercial hollywoodiano, claro, não do cinema estatal bancado aqui pela Embrafilme).
Há outro fator importante: o surgimento da “indústria da nostalgia”, em que discos e filmes antigos passaram a ser relançados, aconteceu por volta de fim dos 70. Hoje, você pode comprar ou alugar qualquer filme feito 30 ou 40 anos atrás, mas nem sempre foi assim. Até o fim dos 70, um cineasta que lançava um filme não imaginava que sua obra perduraria por muitos anos e não pensava nas implicações financeiras disso. Resumindo: quando você percebe que seu filme pode faturar não só no cinema, mas ser vendido para TVs e alugado pelo público para ver em casa, a tendência é fazer filmes cada vez mais acessíveis e inofensivos.
Essa discussão rende muito assunto. Voltaremos a ela em breve.
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