DEVO - mongoloid + gut feeling por thevideos no Videolog.tv.
Segunda-feira morreu Bob Casale, guitarrista do Devo. Bob era irmão de Gerald Casale, que fundou a banda com Mark Mothersbaugh no início dos anos 70.
A obra-prima do Devo é seu LP de estreia, “Q: Are we Not Men? A: We are Devo!” (1978), produzido por Brian Eno. Mas os discos mais impressionantes da banda, na minha opinião, são os dois volumes da série “Hardcore Devo – 1974-1977”, que a Rykodisc lançou em 1990. Os CDs trazem as demos do grupo, gravadas em quatro canais num porão em Akron, Ohio.
As demos não têm o capricho de produção do LP, mas seu minimalismo e crueza sonora são a base perfeita para a música grotesca e assustadora da banda. Porque o Devo que a maioria vê como uma relíquia divertida da new wave, com seus chapéus engraçados e vídeos satíricos, foi uma das bandas mais cabulosas dos anos 70, um experimento audiovisual de humor negro sem paralelos no pop.
O ano oficial de fundação do Devo é 1972, mas Gerald Casale e Mark Mothersbaugh já compunham juntos desde 1970. Mark era um hippie e tocava em bandas “cover” de Genesis e Yes. Casale curtia rock psicodélico e ouvia Jefferson Airplane. Eram colegas na universidade Kent State e presenciaram um evento que mudaria não só a vida deles, mas a história americana: a morte de quatro estudantes, atingidos por tiros da Guarda Nacional durante um protesto contra a invasão ao Camboja.
Para muitos, aquele evento representou o verdadeiro fim dos anos 60. Neil Young viu cenas do tiroteio na TV e compôs, em 20 minutos, “Ohio”. “Depois daquilo, ou você virava terrorista e começava a botar bombas em prédios públicos, ou se trancava num quarto e criava obras de arte de protesto dadaístas”, disse Casale a Simon Reynolds (aliás, o capítulo sobre o Devo no livro “Rip It Up and Start Again”, de Reynolds, é dos melhores textos escritos sobre a banda).
Casale e Mothersbaugh se trancaram num porão, inventaram uma bizarra teoria sobre a “de-evolução”, inspirada em idéias eugenistas alemãs do século 19 que diziam que o homem descendia de macacos canibais, e escreveram algumas das músicas mais surrealistas e ofensivas do pop, com temas como sadomasoquismo (“Buttered Beauties”, “The Rope Song”), o Vietnã (“Bamboo Bimbo”), delírios nazistas (“Fraulein”), escatalogia (“Fountain of Filth”), obsessões sexuais ballardianas (“Auto Mo-Down”), taras (“Golden Energy”) e doenças mentais (“Mongoloid”, “Soo Bawls”). O som parecia trilha sonora de filme de David Lynch. No palco, Mothersbaugh aparecia fantasiado de Booji Boy, um adulto com cara de bebê, infantilizado pelo consumismo e a exposição sonâmbula à TV. Só pra lembrar: isso foi em 1974.
O Devo causou impacto imediato: David Bowie surtou e disse que era a banda mais inovadora que já tinha visto. Iggy Pop queria gravar um disco só de músicas da banda. Brian Eno pagou do próprio bolso para a banda ir à Europa gravar. Até Neil Young abandonou as guitarras momentaneamente e se rendeu às batidas eletrônicas do grupo. No início dos anos 80, Young fazia experimentos sonoros repetitivos e minimalistas para ajudar no tratamento do filho, que tinha paralisia cerebral e respondia bem à repetição de sons e batidas. Young ficou obcecado por Devo e Kraftwerk e até cometeu um disco péssimo, “Trans” (1982), inspirado pelas bandas.
O plano do Devo era corroer o sistema por dentro: fazer sucesso planetário e levar sua mensagem ao maior número possível de pessoas. Infelizmente, ironia nunca fez sucesso de público, e o humor anárquico e negro da banda virou, aos olhos da maioria, mais uma palhaçada new wave. Mas “Hardcore Devo – 1974-1977” é o testamento de uma das bandas mais perversamente talentosas do pós-punk. Ouça e se espante.
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