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COMO FOI O LOLLAPALOOZA CHILE (PARTE 1)

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1 COMO FOI O LOLLAPALOOZA CHILE (PARTE 1)

O Lollapalooza Chile é realizado no O’Higgins, um enorme parque (metade do Ibirapuera, em São Paulo), bem no meio da cidade. De onde estávamos hospedados, no centro da capital chilena, levamos menos de 15 minutos de metrô para chegar ao local. Moleza.

Dentro, o Lollapalooza é igualzinho a qualquer outro festival corporativo do mundo: palcos levam os nomes dos patrocinadores – um Smartphone, um refrigerante , um provedor de Internet, um console videogames, etc. - promotores andam pelo lugar oferecendo brindes, e stands promovem os conceitos politicamente corretos que as marcas encamparam: recicle, preserve o planeta, ande de bicicleta, cuide da vovozinha. E não esqueça de fotografar e compartilhar TUDO.

Não é o massacre corporativo que foi o Rock in Rio, que mais parecia um campo de condicionamento huxleyano, em que legiões de autômatos faziam fila e brigavam para ganhar brindes de montadoras de automóveis. Mas chegava perto. Para manter as massas sob controle e garantir a segurança, não havia uma gota de álcool à venda em todo o festival. Nem cerveja. Mas havia postos para recarregar os celulares. Sinal dos tempos.

No meio dessa tristeza, vimos algo que nunca presenciamos em um festival de rock: andando pelo público havia um grande cão. O bicho caminhava pelo meio da galera, cafungando nos calcanhares de todo mundo. Não tinha sequer coleira. Era um cão farejador da polícia. De vez em quando, o animal parava em frente a um coitado qualquer, dava dois latidos, e ia atrás de outros “meliantes” (ficamos curiosos para ver o que faria o pobre cãozinho no show do Wailers, que encerrava um dos palcos; deve estar lá até agora, cantando “Buffalo Soldier” numa rodinha de regueiros).

O Lollapalooza Chile tinha seis palcos, incluindo um com atrações para crianças. Tivemos de correr de um palco para outro, vendo shows aos pedaços. Se isso prejudicou uma análise mais rigorosa dos shows, pelo menos serviu para dar aos leitores um panorama de como foi o festival.

SÁBADO, 29 DE MARÇO

O público do sábado era muito jovem e predominantemente feminino. O look das meninas era neo-hippie, com arranjos de flores de plástico na cabeça. Entre os rapazes, o “uniforme” era bermuda curta com tênis rasteirinho.  O festival começou com sol forte e temperatura superior a 30 graus, mas esfriou demais à noite, e os últimos shows aconteceram sob um frio de dez graus.

IMAGINE DRAGONS E O POP PUBLICITÁRIO

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 Impressiona nesse Lollapalooza a quantidade de artistas que parecem ter nascido em pranchetas de agências de publicidade.

O Capital Cities, por exemplo: às 15h30, uma multidão se espremia na frente do Palco de Console de Videogame para pular freneticamente com o poperô insosso do grupo, um combo pop de Los Angeles liderado por dois publicitários que se conheceram fazendo jingles para empresas.

Tudo no Capital Cities cheira a marketing: o som é um purê sem graça de ingredientes variados do pop global: um pouco de percussão latina, um naipe de metais à Motown, batidas eletrônicas inofensivas ao estilo do Black Eyed Peas, e músicos que parecem ter sido escolhidos no catálogo da Ford Models. Não é à toa que o primeiro disco do grupo rendeu trilhas para comerciais da Microsoft e HBO. Assim como um Smartphone é jogado no lixo assim que um modelo mais moderno pinta nas lojas, o Capital Cities deverá sumir em um ano.

No outro palco, a britânica Ellie Goulding, outra salsicha na linha de montagem pop dos anos 2000, cortesia do produtor Starsmith (remixer favorito de Lady Gaga, Katy Perry, Passion Pit e outros lixos) parecia uma versão indie da Shakira, rebolando loucamente para tentar injetar algum ânimo em seu show, ladeada por uma banda multirracial de looks calculadamente excêntricos (pense nos músicos de apoio de Lenny Kravitz, que mais parecem figurantes de comercial de vodca em festas muito loucas). Triste.

Mas a pior banda dessa linha do pop publicitário é o Imagine Dragons. Moldado pelo produtor Alex da Kid (Eminem, Dr. Dre, Rihanna, Nicki Minaj), faz um indie-pop-hipster digno de trilha sonora de “Glee” e “Gossip Girl”, apelando a meninas de 15 anos que nunca tiveram a chance de ouvir uma banda de verdade.

O Imagine Dragons faz música para comerciais de automóveis ecologicamente aprovados, em que adolescentes lindos e de cabelos ao vento se abraçam e fazem selfies no banco de trás, enquanto rumam para uma praia paradisíaca onde salvarão tartarugas.

Todas essas bandas – Imagine Dragons, Capital Cities, e pode botar no balaio Foster the People, Friendly Fires, Maroon Five e, por que não, os Beatles do pop da prancheta, o Killers – são parecidas: formadas por branquelos sem suingue, fazem canções pegajosas que começam com tecladinhos à Tears for Fears, têm um vocal meio emo cantado por um bonitão sentimental e de olhar de poeta, perdido no horizonte, e culminam com um refrão animado (geralmente o trecho escolhido por publicitários para o comercial de Smartphone) que põe o povo em frenesi e explode, no show, em um êxtase de hipsters fazendo polichinelo.

SACANAGEM COM A NAÇÃO ZUMBI

No meio da tarde, corremos ao Palco de Marca de Roupa para ver a Nação Zumbi. Uma tristeza: o palco ficava dentro de um pequeno teatro, o menor e mais escondido dos palcos do festival. A Nação, fazendo sua estreia em Santiago, foi colocada num lugar indigno de uma banda tão boa. Enquanto uma multidão incalculável – 10, 15 mil pessoas? – se espremia num lindo cenário ao ar livre para ver Capital Cities, poucos abnegados se dispuseram a sair do sol da tarde de Santiago para se enfurnar num buraco escuro e ver a Nação. Vimos metade do show, e não havia mais de 400 pessoas no lugar.

VIDEOGAMES DOMINAM O PALCO ELETRÔNICO

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Se os publicitários mandaram em boa parte dos palcos de “rock” do festival, o palco eletrônico, localizado numa enorme arena, batizada com o nome de uma marca de Smartphone, foi completamente tomado por trilhas sonoras de videogame.

Todas as atrações que conseguimos ver – os americanos Baauer e Wolfgang Gartner, e o italiano Bloody Beetroots – são conhecidas da molecada que joga games, com músicas em trilhas de jogos famosos.

Musicalmente, todos fazem versões mais sujas e distorcidas de poperôs tipo “Gangnam Style”, com uma profusão de estímulos sonoros irritantes, como buzinas e explosões. Não há um pingo de melodia ou “narrativa” musical. Os sets já começam a mil por hora, sem a construção gradual de climas e atmosferas, marca dos bons DJs.

Para dar aos sets uma gravidade e densidade que não possuem, todos os artistas recorreram a truques visuais de choque: nos telões, Baauer exibiu desenhos animados mostrando cidades em chamas e monstros com máscaras de Jason; Gartner mostrava imagens velozes que pareciam filmadas de dentro de um carro turbinado, e Bloody Beetroots, o mais teatral, usava, como de hábito, uma máscara do Venom, rival do Homem-Aranha. Se eu tivesse 14 anos, certamente adoraria.

FINALMENTE, SHOWS DE VERDADE

No meio de tanto projeto de marketing travestido de banda, deu para ver algumas atrações ao menos interessantes: o Café Tacuba mostrou sua animada mistura de punk, pop e música latina, e foi ovacionado pelo público chileno. Jake Bugg, 20 anos, liderou um power trio que tocou uns blues bem legais e umas baladinhas melosas e desnecessárias.

Quando começou o show do Cage the Elephant, fiquei tentando lembrar a última vez que tinha visto um vocalista imitando tanto o Iggy Pop, quando a resposta veio de repente: foi no show do próprio Cage the Elephant, há dois anos, no mesmo Lollapalooza. O cantor Matt Shultz não tem a menor vergonha de xerocar o Iguana. Chegou a subir nos braços do povo e imitar a famosa pose de Iggy no Cleveland Pop Festival, 1970. Shultz costuma se jogar na plateia para adicionar um toque de perigo às apresentações da banda. No Chile, pulou no público na 2ª, 4ª e 6ª música, e também no bis, enrolado numa bandeira do Chile. Podem esperar o mesmo no Brasil. Mas o som pesadinho à Fugazi e Pixies, com o velho truque de mesclar trechos silenciosos e barulhentos agradou aos fãs.

4 COMO FOI O LOLLAPALOOZA CHILE (PARTE 1)

Num dos palcos principais, o Phoenix mostrou seu som modernoso/dançante bem feito e bem tocado, mas sem um pingo de originalidade ou invenção. O cantor Thomas Mars, marido de Sofia Coppola, é outro que não pode ver um grande festival sem se jogar na plateia. Os chilenos receberam bem a banda, que fez um show animado e mostrou por que é atração principal em festivalzões (até hoje, não entendo como eles podem ter fechado o Coachella, mas deixa pra lá). Depois de aturar a enganação do Imagine Dragons, o Phoenix soou como os Stooges.

De lá, saímos correndo para o Nine Inch Nails. Aqui vai um aviso: se você sofre de epilepsia, tome cuidado. O palco tem dezenas de estrobos gigantes apontados na direção da plateia e o efeito é, por vezes, torturante. Mas o show foi muito bom, 20 músicas em 1h30, incluindo hits como “Wish”, “March of the Pigs”, “Head Like a Hole” e, pra encerrar, “Hurt”. Trent Reznor, pra variar, não dá nem “boa noite” para a plateia, perdido em seu papel de terrorista sonoro malévolo (nunca esqueço o pessoal do Ministry sacaneando Trent, em um dos primeiros Lollapaloozas, dizendo que ele tinha instrumentos defeituosos que levava para quebrar no palco, simulando um ataque de loucura). Mas o truque funciona, e a molecada sai do show do NIN achando que presenciou o começo do fim do mundo. Bacana.

Por fim, chegara a hora do Red Hot Chili Peppers, atração principal da noite. Fazia menos de dez graus em Santiago, um vento forte congelava o público, e pensamos: a banda não vai tocar no Brasil, e faz o mesmo show há 20 anos... E antes que Anthony Kiedis terminasse a frase “give it away, give it away, give it away now...”, estávamos diante de uma bisteca de javali patagônico com polenta e creme de espinafre e uma garrafa de tinto, no Sur Patagónico, ótimo restaurante do bairro boêmio de Lastárria. Foi o ponto alto da noite.

Amanhã, a parte dois da cobertura, com os shows de domingo. Até lá.

* O jornalista André Barcinski viajou por conta própria, sem convite de ninguém.

P.S.: Hoje estarei em trânsito à tarde e impossibilitado de moderar os comentários. Comentários enviados na tarde de terça só serão publicados na quarta de manhã. Peço desculpas pelo inconveniente.

P.S.2: Hoje vi a notícia da morte de Frankie Knuckles, pioneiro da house music. Como a cobertura do Lollapalooza oupará o blog até sexta, farei um texto especial sobre Knuckles na segunda, 7 de abril.

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