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“TROCANDO DE BIQUÍNI SEM PARAR” E OUTROS ENGANOS MUSICAIS

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O leitor Rodrigo Oliveira deu a dica de uma matéria divertida na “The New Yorker” (leia aqui) sobre letras de músicas compreendidas erradamente pelos ouvintes.

Alguns casos são demais. Na clássica “Bad Moon Rising”, do Creedence, “There’s a bad moon on the rise” (“Há uma lua má prestes a surgir”) virou, no ouvido de muitos, “There’s a bathroom on the right” (“Tem um banheiro do lado direito”) e por aí vai.

Lembrei que já havia escrito sobre o assunto Aqui no blog. Foi em 2010, e reproduzo o texto:

Não somos apenas nós, brasileiros, que temos dificuldade para entender algumas letras em inglês. Os britânicos também.

Uma pesquisa, encomendada por um fabricante de remédio para ouvido, mostrou que os ingleses confundem várias letras e acabam inventando novos significados para canções famosas.
“Dancing Queen”, do ABBA, virou uma apologia da pancadaria: “See that girl, watch her scream, kicking the dancing Queen” (“veja esta menina, veja-a gritando, chutando a rainha do baile”).

No Brasil, temos muitos casos assim. Não apenas de músicas em inglês, mas também de letras em português que se transformam pela criatividade infinita dos fãs. O Youtube está cheio de exemplos engraçadíssimos. Veja um conhecido clipe com algumas das letras estrangeiras que ganharam novas versões em português.

Tem clássicos como Billy Idol cantando “Ajudar o peixeeeee....” (“Eyes Without a Face”) e Eric Clapton pedindo para alguém besuntar suas partes íntimas com óleo (“Tears in Heaven”).

O João Gordo me contou que, nos bailes da perifa, o refrão “Aahhhh... Freak Out!”, do Chic, virou “Aaaaaaaalfredão!”

Outros casos conhecidos:

“I Should Have Known Better” (1984), o hit meloso de Jim Diamond, cujo refrão inesquecível “ai ai ai ai ai ai ai ai ai ai… should have known better!” ora virava “chama o bombeiroooooooo!”, ora “chupa e não berraaaaaaaaaa!”.

“Whoomp! There it is”, do Tag Team, que virou “Utererê!” nos bailes funk do Rio.

“Seu c... só sai de ré”, versão de “Oops Up”, do Snap.

Mas o que eu acho engraçado mesmo são as confusões com letras em português.

Eu tinha um amigo que odiava os Paralamas do Sucesso. “Essa banda é uma merda”, esbravejava. “Que negócio é esse de ‘entrei de caiaque no navio’? Como é que alguém entra de caiaque num navio?”

Ninguém esquece a famosa “trocando de biquíni sem parar” (“tocando B.B. King sem parar”), do hit “Noite do Prazer”, do Brylho. Ou o famoso refrão de “Whisky A-Go-Go”, do Roupa Nova”, que virou “Eu te abraçava, tu e o holandês”.

Na web tem relatos incríveis. Uma menina passou a vida inteira achando que a Irene Cara, no refrão de “What a Feeling” (tema de “Flashdance”), cantava “Glória Piiiiiiires!”

Outra interpretava assim a música do Kid Abelha: "Diz pra eu ficar muda, faz cara de mistério, tira essa verruga que eu quero você sério..."

Nem Chico Buarque escapou: “Mirem-se no exemplo / daquelas mulheres / de antenas!”

Outro dia, eu estava assistindo a “Quanto Mais Quente Melhor”, a comédia clássica de Billy Wilder com a Marilyn Monroe, quando minha filha perguntou: “Papai, quem é essa moça?”
Eu respondi: “Ela se chama Marilyn”. Logo depois, a Marilyn falou pro Jack Lemmon, no filme: “Good morning!” E minha filha disse: “Olha, papai, a Amélia tá chamando a Simone!”

É assim que nascem as lendas.

P.S.: Estarei sem acesso à Internet até o fim da tarde. Se o seu comentário demorar a ser publicado, peço desculpas e um pouco de paciência. Obrigado.

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PAPAI NOEL, ME DÁ A COLEÇÃO DO CRAMPS?

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lux interior poison ivy records PAPAI NOEL, ME DÁ A COLEÇÃO DO CRAMPS?

Não consigo pensar em um presente de Natal melhor: a Vengeance, gravadora dos Cramps, está relançando diversos discos da banda em vinil, MP3 e CDs com faixas-bônus (o site www.midheaven.com vende os títulos em todos os formatos).

No início do ano, a gravadora já havia lançado os dois primeiros discos do grupo, os clássicos “Songs the Lord Taught Us” (1980) e “Psychedelic Jungle” (1981). Agora chegam outros sete: “A Date With Elvis” (1986), “Stay Sick” (1990), “Look Mom No Head!” (1991), “Big Beat from Badsville” (1997), “Fiends of Dope Island” (2003) e dois discaços ao vivo: “Smell of Female” (1983) e “Rockin' n' Reelin' in Auckland New Zealand” (1987).

Outro grande disco, “Flamejob” (1994), não foi relançado por questões contratuais com a gravadora que os lançou originalmente. Tomara que saia logo.

Meus favoritos são “Songs the Lord Taught Us”, “Psychedelic Jungle”, “A Date with Elvis”, “Stay Sick” e “Smell of Female”, mas a verdade é que o Cramps nunca lançou um disco ruim. Se puder, compre todos.

De todas as bandas que acabaram subitamente, o Cramps foi a que me deixou mais triste. A morte de Lux Interior, em 2009, aos 62 anos, foi uma surpresa, e o fato de eles nunca terem pisado no Brasil, uma frustração imensa.

Nesse clipe, a banda toca na Holanda, em 1990, e dá uma entrevista no camarim. A primeira resposta é uma pérola: quando o repórter comenta que Lux parece “perder o controle” em cima de um palco, ele responde: “Sim, mas não é esse o objetivo?”

Já escrevi muito sobre o Cramps e não vou me repetir. Mas separei dois textos sobre a banda.

O primeiro (leia aqui) foi publicado em fevereiro de 2014, no quinto aniversário da morte de Lux, e traz algumas das melhores frases do vocalista.

O segundo é mais raro: trata-se da “Discoteca Básica”, seção da finada revista “Bizz”. O texto foi publicado em outubro de 1998 e celebra o disco “Songs the Lord Taught Us”, LP de estreia do Cramps. Aproveite:

SONGS THE LORD TAUGHT US

Rockabilly, psicodelia dos grupos de garagem dos anos 60 e microfonia, temperado pelo que a cultura pop já produziu de mais podre: este é o universo de Lux Interior e Poison Ivy, do Cramps.

Os dois se conheceram na Califórnia em 1972, adoravam rock primitivo, pessoas estranhas e alucinógenos. Casaram-se e se mudaram para Nova York, dispostos a montar uma banda. Ali conheceram Bryan Gregory, louco de pedra, fanático por misticismo e vodu - que mal sabia tocar guitarra. Depois, recrutaram o baterista Nick Knox. Estava formada a gangue.

Os Cramps batizaram seu som de psychobilly - rockabilly psicodélico - e fizeram fama. Na Inglaterra, Stephen Morrissey (mais tarde, vocalista dos Smiths) fundou o primeiro fã-clube do grupo. Nos EUA, atraíram a atenção de Alex Chilton, líder do lendário combo pop Big Star, que produziu Songs the Lord Taught Us por um cachê de fome. Chilton exigiu que a maioria das faixas fossem gravadas ao vivo no estúdio. Lux tratou as gravações como show: se jogava no chão, destruía cadeiras e pulava sobre os amplificadores.

Songs the Lord Taught Us abre com a clássica "TV Set", com sua batida marcial de bateria e um riff maravilhosamente imundo. "Sunglasses After Dark" tem aquela microfonia linda e um solinho new wave que só os Cramps teriam a cara-de-pau de fazer. "What’s Behind the Mask" tem uma letra hilariante ("Por que você não tira essa máscara? / É problema de pele / Ou um olho a mais?"). "Garbageman" é obra-prima. "Zombie Dance" goza da platéia modernosa de Nova York, que ficava parada vendo a banda se matar no palco; "The Mad Daddy" é uma homenagem a Pete "Mad Daddy" Myers, um DJ de Ohio que Lux idolatrava; e "Mystery Plane" resumia a filosofia da banda na frase: "Eu não consigo me identificar com este mundo, então nem tento."

Incluindo covers dos Sonics - grupo de garagem dos anos 60 ("Strychnine") -, do pioneiro do rockabilly Johnny Burnette ("Tear It Up") e "Fever" (a mesma gravada por Madonna) de Little Willie John, o disco não envelhece.

Os Cramps não abraçaram o passado do rock’n’roll por oportunismo, eles vivem no passado. Para Lux e Ivy, o mundo acabou em 1965. Sua missão é mostrar como ele era mais divertido e irresponsável.

 

P.S.: Amanhã publico minha lista dos melhores discos do ano. E sexta, a dos melhores filmes.

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MELHORES DISCOS DE 2014

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Aqui vão, sem ordem de preferência, os dez discos que mais ouvi em 2014.

Ty Segall – Manipulator
O novo rei do rock de garagem tem 27 anos e lançou 16 discos nos últimos seis anos. “Manipulator” é um dos melhores, uma coleção de pérolas pop que deve tanto a Bowie quanto a Syd Barrett.

Woods – With Light and With Love
Até maio deste ano, nunca tinha ouvido falar do Woods. Mas uma apresentação no Austin Psych Fest, num fim de tarde lindo à beira do rio Colorado, me fez correr atrás de todos os discos da banda. E o novo, “With Light and With Love”, é dos melhores.

Swans – To Be Kind
Com “The Seer” (2012) e este “To Be Kind”, Michael Gira, o gênio do Swans, conseguiu tocar para os maiores públicos de sua carreira. Que venha logo ao Brasil mostrar sua combinação única de noise, industrial e ambient do inferno.

Beck – Morning Phase
O disco que mais ouvi em 2014. Beck abre mão de ser descolado e faz o melhor disco da carreira. Daqueles que ficam.

War on Drugs – Lost in the Dream
Ainda melhor que “Slave Ambient” (2011), esse novo disco da trupe de Adam Granduciel traz psicodelia, microfonias à Crazy Horse e loucuras cósmicas à Flaming Lips. O beabá do rock americano está aqui.

Thee Silver Mt. Zion Memorial Orchestra - Fuck Off Get Free We Pour Light on Everything
O disco saiu bem no início do ano, mas também não parou de tocar aqui em casa um minuto. O TSMZ é uma espécie de Arcade Fire sem o hype e com um milhão de vezes mais ousadia e talento. Bom demais.

Thee Oh Sees – Drop
No fim de 2013, o líder do The Oh Sees, John Dwyer, anunciou que a banda tiraria férias. Felizmente, o descanso não durou muito: em abril de 2014 ele lançou “Drop”, 13º disco da banda, mais leve e psicodélico que o violento “Floating Coffin” (2013), mas tão bom quanto.

The Men – Tomorrow’s Hits
Se você gosta de power-pop na linha Big Star e Redd Kross, tente The Men, um quarteto do Brooklyn, Nova York. “Tomorrow’s Hits” é cheio de hits de rádio, se o rádio tocasse coisa boa.

Future Islands – Singles
O tecnopop vai bem, obrigado, graças ao Future Islands, uma das histórias de sucesso mais improváveis dos últimos anos: a banda vem de Baltimore, cidade sem nenhuma história no gênero, e tem um vocalista que mais parece um gerente de banco. Mas as músicas são de grudar na memória. Confira:

Hiss Golden Messenger – Lateness of Dancers
Um dos discos mais bonitos e solares de 2014, cortesia de M.C. Taylor e Scott Hirsch, dois punks que mudaram para o interior da Carolina do Norte e descobriram o folk. O disco é de chorar.

Melhores relançamentos e coletâneas: Sun Ra and His Arkestra – “In the Orbit of Ra”, Wilco – “What’s Your 20?” e Cabaret Voltaire – “ #7885 (Electropunk to Technopop 1978-1985)”.

P.S.: A lista estava publicada quando o leitor Valter me alertou para uma omissão absurda: "Sun Structures", disco de estreia do grupo psicodélico inglês Temples, uma coisa linda que não sai do nosso player há meses. Podem incluir na lista. É o melhor disco de 1967 lançado em 2014, se é que vocês me entendem...

P.S. 2: Amanhã, minha lista dos melhores filmes do ano. Até lá.

P.S. 3: Estarei sem acesso à Internet até o fim da tarde. Se o seu comentário demorar a ser publicado, peço desculpas e um pouco de paciência. Obrigado.

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MELHORES FILMES DE 2014

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Aqui vai, sem ordem de preferência, a lista dos dez melhores filmes que vi em 2014. Alguns são de 2013, mas só foram exibidos no Brasil este ano; outros não chegaram e provavelmente não chegarão aos cinemas daqui, mas podem ser encontrados com um pouco de trabalho. Aproveitem...

 

20,000 Days on Earth

Jane Pollard e Iain Forsyth fizeram um filme-ensaio sobre a alma negra de Nick Cave. Bonito, sombrio e fascinante como a música dele.

 

O Lobo de Wall Street

Já vi umas cinco vezes e cada vez gosto mais. Scorsese faz “o” filme sobre os anos 80, a “Década do Eu”.

 

Relatos Selvagens

Os hermanos fizeram a comédia de humor negro que não fomos capazes de fazer, apesar de vivermos os mesmos tempos selvagens.

 

A Caçada

Futuro distópico no deserto australiano? Não, não é “Mad Max”, mas “A Caçada”, de David Michôd. E com Robert Pattinson, o galãzinho de “Crepúsculo”, que está construindo uma carreira surpreendente.

 

Bem-Vindo a Nova York

Ainda bem existem caras como Abel Ferrara para bagunçar um pouco o cinema. Essa versão para a história escabrosa de sexo, perversões e poder envolvendo o chefão do FMI, Dominique Strauss-Kahn, traz Gerard Depardieu em um de seus melhores papéis.

 

Boyhood

Poderia ter sido um filme-truque - Vejam como o menino cresce em onze anos! - mas Richard Linklater soube criar uma história bonita para sustentar as imagens reais da passagem do tempo.

 

 

Life Itself

Ótimo documentário sobre Roger Ebert (1942-2013), um dos críticos de cinema mais influentes de todos os tempos. O diretor Steve James (“Hoop Dreams”) acompanha Ebert nos últimos anos de sua carreira, quando lutou contra um câncer devastador.

 

 

Whitey

Joe Berlinger (“Paradise Lost”) fez esse documentário poderoso sobre James “Whitey” Bulger, mafioso que dominou o submundo de Boston nos anos 70 – e inspirou o personagem de Jack Nicholson em “Os Infiltrados”, de Martin Scorsese.

 

 

Sob a Pele

Scarlett Johansson faz uma alienígena que trepa e devora humanos nessa ficção-científica estranha, sexy e misteriosa de Jonathan Glazer. Como diz um amigo, bela lição pro cinema brasileiro: poderia ter sido filmado em Botucatu, com 200 mil reais de orçamento.

 

 

National Gallery

Frederick Wiseman tem 84 anos e faz documentários há quase 50. “National Gallery” é seu mais recente e um dos melhores dos últimos anos, um perfil emocionante do famoso museu de arte londrino.

 

P.S.: O blog entra de férias até 5 de janeiro. Até lá, republicarei textos selecionados entre os quase 300 que fiz no R7 desde o início do blog, em novembro de 2013. Infelizmente, não poderei moderar comentários até minha volta. Um ótimo fim de ano a todos e muito obrigado pela preferência. É muito bom ter leitores tão fiéis e participativos. Beijos e abraços.

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Joni Mitchell, Neil Young, Nico, David Crosby: discos clássicos do pop angustiado

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PUBLICADO ORIGINALMENTE EM 11/11/2013

 

A revista inglesa “Uncut” traz uma entrevista sensacional com a cantora e compositora Joni Mitchell, que está completando 70 anos.

Com sua verve corrosiva e um ego do tamanho do mundo, Joni é garantia de diversão. Deve ser a única pessoa do planeta com moral para achincalhar Bob Dylan.

 

 

Na entrevista, Joni diz que Dylan é um músico de segunda categoria e um plagiador, que copiou muitas de suas letras de um romance japonês (ela não entrega qual).

A revista traz ainda uma lista dos “50 maiores discos de cantores/compositores”, com LPs de Dylan, Leonard Cohen, Nick Drake, Beck, John Grant... e Joni Mitchell, claro.

A era dos cantores/compositores, marcada por discos confessionais, teve seu auge no início dos anos 70, época em que o pop se recuperava de vários baques.

Entre o fim dos 60 e o início dos 70, os Beatles acabaram, o show dos Stones em Altamont acabou em morte, Charles Manson e sua gangue mataram sete pessoas, a Guarda Nacional matou quatro estudantes em Ohio e o mundo perdeu Brian Jones, Jim Morrison, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Martin Luther King e Bobby Kennedy. Apesar dos protestos, a Guerra do Vietnã só piorava.

Estava claro que o sonho hippie de paz e amor tinha ido pro brejo.

A reação a esse fenômeno foi o isolamento. Músicos começaram a largar suas bandas e partir para uma música mais pessoal e confessional. De repente, saíram de moda longas jams psicodélicas; o lance era se enfurnar num canto escuro, cheirar pó e cantar sobre seus problemas.

David Crosby saiu do Byrds, Graham Nash deixou o Hollies, Neil Young largou o Buffalo Springfield, Lou Reed abandonou o Velvet Underground e John Lennon aproveitou o fim dos Beatles para iniciar sua carreira solo.

David Geffen, um dos maiores gênios da indústria da música, sacou a tendência e criou a gravadora Asylum, que virou a meca do bloco do eu sozinho. Assinou Judee Sill, Jackson Browne, Joni Mitchell, Linda Ronstadt, Glenn Frey, Tom Waits, Warren Zeavon e até Bob Dylan (quem quiser ler mais sobre essa época, recomendo o livro “Hotel California”, de Barney Hoskins).

O sucesso planetário de Simon & Garfunkel mostrou que o mundo estava pronto para trovadores cantando pop minimalista. Tchau, psicodelia; bem-vinda, introspecção!

Até o fim dos anos 70, vários discos de banquinho e violão foram sucesso mundial: “Sweet Baby James” (James Taylor), “Tapestry” (Carole King), “Harvest” (Neil Young), “Teaser and the Firecat” (Cat Stevens) e “No Secrets” (Carly Simon).

Se os discos soavam plácidos e serenos, traziam algumas das letras mais tristes e desesperadas do pop.

Fiz uma lista, em ordem cronológica, de meus discos prediletos do gênero. Para ouvir e chorar junto...

Dez discos clássicos de solidão e angústia

Nico – The Marble Index (1969) - Aposto um jantar como Siouxsie Sioux, Robert Smith e Peter Murphy passaram longas horas ouvindo esse disco dilacerante. John Cale botou todo seu arsenal vanguardista de drones e distorção a serviço da voz glacial de Nico, e o resultado é um dos LPs mais tristes e bonitos já gravados, com canções sobre heroína, corações partidos e orgias xamanísticas com Jim Morrison. Segundo um executivo da gravadora Elektra, o disco vendeu seis cópias. Nico penou com heroína a vida toda. Morreu em 1988, ao cair de uma bicicleta em Ibiza.

Skip Spence – Oar (1969) - Em 1968, Alexander “Skip” Spence, guitarrista do Moby Grape, atacou seus companheiros de banda com um machado durante um surto psicótico. Internado numa clínica psiquiátrica por seis meses, saiu de lá e gravou esse disco inesquecível, polaróide de uma alma em  conflito.

John Lennon / Plastic Ono Band (1970) – Nem tanto um disco quanto uma sessão de terapia musicada, o primeiro LP solo de Lennon é um triunfo do minimalismo confessional. Nunca um artista tão famoso expôs sua psique de forma tão aberta, em canções sobre Deus (“God”), abandono familiar (“Mother”) e solidão (“Isolation”). O som cru e espartano foi uma reação à superprodução dos últimos trabalhos dos Beatles e prenunciou o punk.

David Crosby – If I Could Only Remember My Name (1971) - Em 1969, Christine Hinton, namorada de David Crosby, se despediu dele, pegou o carro do casal e foi levar o gato no veterinário. Na esquina, o bichano pulou no colo de Christine, que perdeu controle do carro e bateu de frente num ônibus escolar. Christine morreu na hora. Crosby, que já não era das pessoas mais tranqüilas do mundo, entrou em parafuso: trancou-se em casa, cheirou metade da Bolívia e cometeu esse disco extraordinário, cujo título – “Se eu Pudesse Ao Menos Lembrar Meu Nome” – dá uma idéia do estado mental em que se encontrava. Amigos como Graham Nash, Santana, Jefferson Airplane e Joni Mitchell deram uma força. Essa versão de “Traction in the Rain” na BBC é demais:

Joni Mitchell – Blue (1971) – Uma obra-prima lamuriosa sobre o fim dos relacionamentos de Mitchell com Graham Nash e James Taylor e o evento que marcaria a vida da cantora: em 1965, ela descobriu que estava grávida. Sem condições de sustentar a criança, deu sua filha para adoção. A música “Little Green” (“criança, com uma criança, fingindo...”) é sobre essa experiência traumática, que só foi revelada ao público nos anos 90.

Judee Sill – Heart Food (1973) – A vida de Judee Sill foi punk: órfã, viciada em drogas ainda adolescente, acabou na cadeia por furto e se prostituiu para comprar heroína. Gravou dois discos minimalistas e arrasadores, com influência de ocultismo e temas religiosos. Não venderam nada, mas influenciaram gente como Beth Orton, Jeff Buckley, Bill Calahan (Smog), Mark Eitzel e Beck. Sill morreu em 1979, aos 35 anos, de overdose.

Neil Young – Tonight’s the Night (1975) – Em 1973, depois das mortes por overdose de Danny Whitten, guitarrista do Crazy Horse, e do roadie Bruce Berry, Neil Young reuniu amigos em seu rancho e promoveu sessões de gravação que se estendiam madrugada adentro, regadas a tequila e pó. O exorcismo rendeu o disco mais dark de sua carreira. Tão dark que Young levou dois anos para ter coragem de lançá-lo.

Arnaldo Batista – Lóki (1974) – Depois de sair dos Mutantes e terminar o romance com Rita Lee, Arnaldo gravou este disco, tão lindo quanto doloroso de ouvir. Sua voz é tão frágil que parece que Arnaldo vai se despedaçar a qualquer momento. Oito anos depois, ele se jogaria de uma janela.

Dennis Wilson – Pacific Ocean Blue (1977) – Por anos, Dennis viveu nos Beach Boys à sombra dos irmãos Brian e Carl e do primo, Mike Love. Era o mais rebelde dos irmãos Wilson e o que mais apanhou do pai, Murray, um psicopata cujo hobby era torturar a prole. Cultivando um complexo de inferioridade gigantesco, Dennis, um playboy cocainômano e viciado em sexo, amigo de Charles Manson, penou por quase oito anos para tomar coragem e gravar suas próprias canções. O resultado é o majestoso “Pacific Ocean Blue”, jóia do soft-rock orquestral. Só os Wilson para fazer a tristeza soar tão bela. Dennis morreria seis anos depois, ao mergulhar bêbado no Pacífico.

Marvin Gaye – Here My Dear (1978) – Quando se divorciou de Anna Gordy, irmã de Berry Gordy, chefão da gravadora Motown, Marvin Gaye estava na pior: cheirava 500 dólares por dia e não tinha dinheiro para pagar o divórcio e a pensão do filho pequeno. Seu advogado fez um trato com Anna: Marvin gravaria um disco e dividiria os royalties com ela. O resultado foi um LP duplo que periga ser o mais arrasador documento musical sobre um casamento desfeito. Em 1984, Marvin Gaye, 44, seria assassinado a tiros pelo próprio pai.

 

Menções (muito) honrosas:

Syd Barrett - The Madcap Laughs (1969/1970), Nick Drake – Pink Moon (1972), Leonard Cohen – Songs of Leonard Cohen (1967), Erasmo Carlos – Carlos, Erasmo (1971), James Taylor – Sweet Baby James (1970), Gram Parsons – Grievous Angel (1974), Gene Clark – No Other (1974), Bob Dylan – Blood on the Tracks (1975).

P.S.: O blog está de férias até 5 de janeiro. Infelizmente, não poderei moderar ou aprova comentários até lá. Ótimo fim de ano para todos!

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Cinco momentos sublimes de Jimmy Page

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JimmyPage Cinco momentos sublimes de Jimmy Page

 

Texto publicado originalmente em 13/1/2014

Dia 9, Jimmy Page fez 70 anos. Pelos últimos 50, foi um dos músicos, produtores, compositores e arranjadores mais importantes e influentes do pop-rock.

Quem, além dele, compôs tantos riffs clássicos do rock? Hendrix? Richards? Iommi?

Além de músico fora de série, Page é um artista que fez exatamente o que quis, na hora que quis.

Quando o Yardbirds, já uma banda famosa, o convidou para substituir Eric Clapton, ele recusou em solidariedade ao amigo. Page tinha 20 anos.

Difícil imaginar um moleque recusando um convite desses. Mas Page já era um veterano da cena musical inglesa e não tinha pressa para nada (acabou tocando com os Yardbirds pouco depois, com a saída de Paul Samwell-Smith).

Na verdade, Page tinha se aposentado do palco aos 19 anos, depois de penar em várias bandas. Decidiu que seria só músico de estúdio. Era tão bom que produtores o chamavam para gravar partes que os guitarristas não conseguiam ou para sugerir algo que melhorasse a canção.

No livro “Luz e Sombra – Conversas com Jimmy Page” (Globo Livros), o autor Brad Tolinski diz que Page tocou em – acredite – 60% de todas as gravações de rock e pop lançadas na Inglaterra nos primeiros anos da década de 60. A lista é imensa: Kinks, The Who, Stones, Shirley Bassey, Tom Jones, Van Morrison & Them, Petula Clark, Marianne Faithfull, Brenda Lee e incontáveis outros.

Veja aqui uma coletânea de 20 grandes momentos de Jimmy Page como músico de estúdio.

Para celebrar as sete décadas de Jimmy Page, fiz uma seleção de meus cinco momentos prediletos dele. Mas já vou avisando: não sou guitarrista. Se fosse, teria escolhido “Achilles Last Stand”, com sua montanha de 12 ou 13 guitarras, “Since I’ve Been Loving You”, praticamente um solo ininterrupto de sete minutos, ou “Stairway to Heaven”, a Mona Lisa do “air guitar” e parada obrigatória de todo moleque que acha “Smoke on the Water” moleza.

Aqui vão, sem ordem de preferência, meus cinco momentos favoritos de Jimmy Page. Mande os seus...

“No Quarter” (“Houses of the Holy”, 1973) – Um dos melhores discos do Zep, quando eles deixaram – um pouco, claro – de xerocar velhos blues americanos e se arriscaram em experimentos sonoros mais ousados. A guitarra lisérgica de Page, somada à voz de Plant, que parece gravada dentro de um aquário, fazem de “No Quarter” uma música fora da curva na carreira da banda. Quem ouve pela primeira vez não diz que são eles.

“Thank You” (“Led Zeppelin 2”, 1969) – Pra mim, a música mais bonita da carreira do Led Zeppelin. Gosto de tudo: o arranjo, a produção, o começo sussurrado da voz de Plant e os teclados de igreja de John Paul Jones. O solo de Page (a 1:54 na versão de estúdio) é de cortar o coração. Uma balada perfeita.

Led Zeppelin - Thank You (1973) por thevideos no Videolog.tv.

In the Evening (“In Through the Out Door”, 1979) – Só eu gosto de “In Through the Out Door”? Acho o último disco de inéditas do Zep fantástico, um dos melhores da banda. Pra começo de conversa, tem a inacreditável “All of My Love”, tributo de Plant ao filho Karac, de cinco anos, que morreu enquanto o pai estava em turnê. A música tem um solo de sintetizador de Jones que eu choro – quase - toda vez que ouço (será que o estúdio do Abba na Suécia, onde eles gravaram, libertou o popstar que existe em Jones?). E tem “In the Evening”, uma das músicas mais misteriosas e bonitas do Zep, com uma guitarra cheia de efeitos de Page – na época, penando com a heroína - que é um de seus momentos mais brilhantes.

“Rain Song” (“Houses of the Holy”, 1973) – Um dia, George Harrison comentou com o baterista John Bonham que sentia falta de mais baladas no repertório da banda. Page compôs então “Rain Song” em homenagem a Harrison e incluiu as duas primeiras notas de “Something”, clássico de George, na abertura de “Rain Song”.  Bonito demais.

Whole Lotta Love (“Led Zeppelin 2”, 1969) – Qual o melhor riff de guitarra de Page? “Kashmir”? “Rock and Roll”? “Black Dog”? “Heartbreaker”? “Communication Breakdown”? “Immigrant Song”? Pode escolher qualquer um. Vou de “Whole Lotta Love”. Pode não ser o melhor, mas é uma desculpa para eu colocar o vídeo abaixo, um dos melhores trechos do filme “A Todo Volume”, em que The Edge e Jack White só faltam babar no tapete ao ver Page tocando a música.

Jimmy Page - Whole Lotta Love (HD) por thevideos no Videolog.tv.

P.S.: O blog está de férias até 5 de janeiro. Infelizmente, não poderei moderar ou aprovar comentários até lá. Ótimo fim de ano para todos!

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Odair José e o pop da periferia

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Texto publicado originalmente em 19/12/2013

Presentão é a caixa “Quatro Tons de Odair José”, que traz os quatro primeiros discos de Odair pela Polydor/Philips, ainda inéditos em CD: "Assim Sou Eu..." (1972), "Odair José" (1973), "Lembranças" (1974) e "Odair" (1975).

Odair José - Pare de Tomar a Pílula + Deixe Essa Vergonha de Lado por thevideos no Videolog.tv.

O início dos 70 foi a fase de maior sucesso do cantor e compositor. No fim dos 60, ele havia deixado a vida confortável da família em uma fazenda em Goiás para tentar a sorte como músico no Rio. Odair penou na Cidade Maravilhosa: dormiu na rua e sobreviveu cantando em inferninhos. “Toquei em todos os puteiros de Bangu a Copacabana.”

O cantor conseguiu uma audição na CBS e gravou alguns discos pela companhia, mas logo se irritou com a insistência do selo em obrigá-lo a copiar sua maior estrela, Roberto Carlos. Odair tinha de usar até a banda de apoio do Rei.

No fim do contrato com a CBS, gravou o compacto de “Eu Vou Tirar Você Desse Lugar”. A gravadora não acreditou no disco e nada fez para promovê-lo. Revoltado, Odair partiu para uma excursão de kombi pelo Nordeste. Dois meses depois, um funcionário da CBS o encontrou no interior da Bahia: “Volta pro Rio correndo, tua música tá em primeiro lugar!”

Quando a CBS quis forçá-lo a gravar outro disco com a equipe de Roberto Carlos, Odair mandou a gravadora pastar e foi para a Philips. Na Polydor, selo “popular” da Philips, ao lado de Tim Maia e outros, sustentou Caetano, Gil, Elis e outros artistas consagrados, mas que não vendiam.

Na Polydor, Odair montou a banda que sempre quis. Chamou o grande trio instrumental Azymuth para acompanhá-lo, além do soulman Hyldon na guitarra. O pop brasileiro dos anos 70, mesmo o mais popular e considerado brega pela crítica, era muito bem produzido e contava com músicos e arranjadores excepcionais.

Isso não impediu que Odair fosse jogado na categoria dos “cafonas”, ao lado de Nelson Ned, Waldik Soriano e Agnaldo Timóteo. Não importava se suas maiores influências eram Paul Anka e os Beatles (ele tinha uma música chamada "Eu Queria Ser John Lennon"), e não os boleros lacrimejantes de Lucho Gatica, que faziam a cabeça de Ned e Timóteo: para a crítica da época, eram todos bregas.

Suas músicas eram crônicas pop da periferia e abordavam temas ousados: havia o sujeito que queria tirar a prostituta da “vida fácil” (“Eu Vou Tirar Você Desse Lugar”), a empregada doméstica com vergonha de sua condição social (“Deixe Essa Vergonha de Lado”), o cara que implorava à amada para largar os anticoncepcionais e ter um filho com ele (“Uma Vida Só (Pare de Tomar a Pílula)”) e, especialmente corajoso para a época, “Na Minha Opinião”, uma crítica ao casamento (“Na Minha opinião / o importante é se querer / assinar papel pra quê? / Isso não vai prender ninguém”).

Os quatro discos da caixa são dos melhores de Odair José. Tomara que uma nova geração pare de lembrá-lo apenas como "O Terror das Empregadas” e preste atenção em suas músicas. Odair reina.

P.S.: O blog está de férias até 5 de janeiro. Infelizmente, não poderei moderar ou aprovar comentários até lá. Ótimo fim de ano para todos!

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VOCÊ NÃO CONHECE ESSE SUJEITO, MAS ELE JÁ VENDEU 300 MILHÕES DE DISCOS

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desmond child 650 430 1 VOCÊ NÃO CONHECE ESSE SUJEITO, MAS ELE JÁ VENDEU 300 MILHÕES DE DISCOS

Dia desses, achei na Internet um texto sobre um documentário chamado “The Story of Roman & Nyro”, sobre um casal gay que pediu a uma amiga para ser “barriga de aluguel” de seus filhos, Roman e Nyro. Achei a história especialmente interessante porque o casal mora em Nashville, capital americana da música country e uma cidade muito conservadora. Veja:

Two: The Story Of Roman & Nyro Official Trailer por thevideos no Videolog.tv.

Vi o trailer do filme e me surpreendi ao reconhecer um dos personagens: era Desmond Child, um músico e compositor. O grande público não sabe quem é Desmond, mas com certeza conhece suas músicas. Nos últimos 35 anos, ele fez canções que foram sucesso no mundo todo, como “I Was Made For Loving You” (Kiss), “Livin’ on a Prayer” e “You Give Love a Bad Name” (Bon Jovi), “Angel” e “Dude (Looks Like a Lady”) (Aerosmith), “How Can We Be Lovers?” (Michael Bolton) e “Livin’ la Vida Loca” (Ricky Martin), além de hits com Cher, Roxette, Kelly Clarkson, Meat Loaf, Bonnie Tyler, Weezer (podem chorar, indies!), Scorpions, Ratt e Katy Perry. Desmond calcula que suas músicas já venderam 300 milhões de cópias.

Desmond é um desses artesãos pop que artistas procuram quando precisam de um empurrão em suas carreiras. No fim dos anos 70, ele teve uma banda de relativo sucesso, Desmond Child & Rouge, mas que não durou muito. Um dos fãs da banda era Paul Stanley, do Kiss.

Desmond Child and Rouge - Our Love Is Insane por thevideos no Videolog.tv.

Em 1979, quando o Kiss percebeu que a discoteca estava matando o rock, encomendou a Desmond uma canção dançante, “I Was Made for Loving You”. Poucos anos depois, Jon Bon Jovi ouviu “Heaven’s on Fire”, outra canção de sucesso que Desmond escreveu para o Kiss, e foi atrás do compositor. Desmond escreveu “Livin’ on a Prayer”, “uma música sobre dois garotos tentando sobreviver”, em que citava uma ex-namorada chamada Gina.  Jon Bon Jovi nunca mais saiu de perto de Desmond.

O compositor diz que sua especialidade é ajudar artistas que já são famosos a reinventar suas carreiras, como fez com Cher, Aerosmith e Ricky Martin. “Livin’ la Vida loca”,o sucesso mundial de Martin – que, na época, estava fazendo teatro na Broadway – foi todo gravado no estúdio de Desmond.

Ouça aqui uma entrevista de meia hora com Desmond Child, em inglês.

Desmond diz que o segredo do sucesso é um só: muito trabalho. Em 35 anos, compôs cerca de quatro mil músicas – quase uma a cada três dias – e passa ao menos oito horas por dia no estúdio. Um dos truques para fazer um hit, diz, é criar a canção em torno de um título. “A música precisa de um bom título e uma boa história. Você precisa saber sobre o que é a música e que história ela está contando. Eu sempre penso num título primeiro, e depois crio toda a música em função dele.”

P.S.: Texto publicado originalmente em 24/2/2014. O blog está de férias até 5 de janeiro. Infelizmente, não poderei moderar ou aprovar comentários até lá. Ótimo fim de ano para todos!

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POSSO MUDAR MINHA LISTA DOS MELHORES FILMES DE 2014?

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Quando publiquei minha lista dos melhores filmes de 2014, ainda não havia estreado “Ida”, do polonês Pawel Pawlikowski. E nenhuma lista estaria completa sem essa obra-prima.

“Ida” é um filme raro: fotografado em preto e branco (e em formato 1.33:1), vai na contramão da edição frenética e ritmo de videoclipe do cinema atual. Pawlikowski desacelera a narrativa e traz imagens estáticas, em que a câmera raramente se move. Isso nos obriga a ver cada fotograma como um quadro e prestar mais atenção nos pequenos detalhes – a ambientação da sombria Polônia sob jugo stalinista; a infelicidade das pessoas; a complexidade de duas personagens que, nas mãos de um diretor menos competente, poderiam virar caricaturas.

“Ida” se passa na Polônia no início dos anos 60. Num convento, uma noviça, Anna (Agata Trzebuchowska), é mandada por sua superiora visitar uma tia em Lodz. Anna nunca deixou o convento, e essa simples visita é uma aventura sem par em sua vida.

A viagem acaba por mudar a vida de Anna. A tia, Wanda (Agata Kulesza), é uma quarentona, juíza e membro do Partido Comunista, que tem sérios problemas com álcool e com homens.

A princípio, as duas se estranham: Anna é jovem, inocente e temente a Deus; Wanda é experiente, libertina, e não acredita em nada - nem no comunismo que, um dia, já defendeu a ponto de condenar gente à morte.

Wanda faz uma revelação chocante: o nome verdadeiro de Anna é Ida, ela é judia, e os pais foram mortos durante a ocupação nazista.

O filme vira um “road movie”, em que Ida e Wanda rumam para a pequena vila onde Wanda e a irmã, mãe de Anna, moraram antes da chegada dos alemães. Na jornada, encontram – e se interessam – por um saxofonista (Dawid Ogrodnik) e tentam descobrir como os pais de Anna morreram.

“Ida” é um filme curto – apenas 80 minutos – mas tão bem escrito, dirigido e atuado, que consegue tocar em muitos temas complexos. A contraposição de personagens tão distintos quanto Anna e Wanda cria tensão e faz surgir discussões sobre religiosidade, fé e prazer. A forma como Pawlikowski mostra os poloneses, vivendo o inferno do comunismo depois de experimentar o nazismo, consegue ser contundente sem ser panfletária: é um país cinza, onde vizinhos desconfiam de vizinhos, o medo é constante, e a liberdade passa longe.

Que sorte poder ver “Ida” em tela grande. Não perca a oportunidade.

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TIM MAIA E ROBERTO CARLOS: A MELHOR HISTÓRIA DE TODAS

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timaia TIM MAIA E ROBERTO CARLOS: A MELHOR HISTÓRIA DE TODAS

Roberto Carlos plastica rosto 13 TIM MAIA E ROBERTO CARLOS: A MELHOR HISTÓRIA DE TODASEm meio a esse bafafá sobre as mudanças que a Rede Globo fez no especial sobre Tim Maia, adicionando elogios ao “Rei”, ninguém lembrou uma das melhores histórias envolvendo os dois personagens.

O caso está em meu livro “Pavões Misteriosos – 1974-1983: A Explosão da Música Pop no Brasil” (Editora Três Estrelas) e me foi contado por Ritchie, personagem central do imbróglio.

Só para situar o leitor, o caso aconteceu no meio dos anos 1980. Em 1983, Ritchie havia lançado o LP “Vôo de Coração”, pela CBS. Somando as vendas do LP e do compacto de “Menina Veneno”, Ritchie se tornara o artista de maior sucesso do Brasil entre 1983 e 1984. Até então, apenas um artista brasileiro vendera mais discos que Roberto Carlos: os Secos e Molhados, em 1974. Mas nenhum artista da gravadora de Roberto, a CBS, o tirara do topo do pódio, e isso, segundo Tim Maia, teria causado uma reação fulminante por parte do “Rei”.

Aqui vai o trecho de “Pavões” em que o “Síndico” explica a Ritchie como funcionam as coisas no mundo encantado de Roberto Carlos:

O futuro parecia promissor para Ritchie: rico, famoso, e com um contrato de mais três discos com a CBS. Mas uma série de desentendimentos e crises acabaria por prejudicar sua carreira. Depois do sucesso de “Vôo de Coração”, ele nunca mais teria um LP entre os 50 mais vendidos do ano no Brasil. Quando foi gravar o segundo disco, “E a Vida Continua”, o cantor sentiu certa má vontade por parte da CBS. “Eles não divulgaram o disco, não pareciam interessados.” A música de trabalho, “A Mulher Invisível”, outra parceria com Bernardo Vilhena, fez sucesso nas rádios, mas logo sumiu das paradas. O LP vendeu 100 mil cópias, uma boa marca, mas pálida em comparação ao 1,2 milhão de “Vôo de Coração”. O disco seguinte, “Circular”, vendeu menos ainda: 60 mil.

Ritchie ficou perplexo. Não entendia como havia passado, em tão pouco tempo, de prioridade a um estorvo na CBS. Até que leu uma entrevista de Tim Maia à revista “IstoÉ”, em que o “Síndico” afirmava que Roberto Carlos, o maior nome da gravadora, havia “puxado o tapete” de Ritchie. “Eu não podia acreditar. O Roberto sempre foi muito carinhoso comigo, sempre fez questão de me receber no camarim dele, sempre me tratou muito bem. Até hoje, não acredito que isso tenha partido do Roberto.”

Um dia, Ritchie foi cumprimentar Tim Maia depois de um show no Canecão. O camarim estava lotado. Assim que viu Ritchie, Tim gritou: “Agora todo mundo pra fora, que vou receber meu amigo Ritchie, o homem que foi derrubado da CBS pelo Roberto Carlos”. Claudio Condé, da CBS, nega: “Isso é viagem. O Roberto nunca teve esse tipo de ciúme”.

Para piorar a situação, Ritchie havia comprado briga com outro peso-pesado da indústria da música: Chacrinha. Por um bom tempo, o cantor havia participado dos playbacks que o Velho Guerreiro promovia em clubes do subúrbio do Rio de Janeiro, mas essas apresentações começaram, gradativamente, a atrapalhar a agenda de shows de Ritchie. “O filho do Chacrinha, Leleco, marcou um playback comigo, a Alcione e o Sidney Magal no estacionamento de um shopping, mas eu tinha um show de verdade em Belo Horizonte, e meu empresário disse que eu não poderia comparecer.”

Resultado: Ritchie passou a ter cada vez mais dificuldades em aparecer na TV e viu notinhas maliciosas plantadas em colunas musicais. Uma delas dizia: “O artista inglês Ritchie, tão bem acolhido pelos brasileiros, se recusa a trabalhar com artistas brasileiros”. “Fiquei puto da vida.” Em janeiro de 1985, Ritchie, o maior vendedor de discos do Brasil no ano anterior, foi ignorado pelo Rock in Rio. “Aquilo me deixou arrasado. Lembro que um dos organizadores do festival deu uma declaração de que eu ‘nem brasileiro era’. Como pode uma coisa dessas?”

Ritchie estava tão por baixo na CBS que a gravadora concordou em rescindir seu contrato, mesmo faltando um disco. O cantor assinou com a Polygram e lançou, em 1987, o compacto de “Transas”, tema da novela global “Roda de Fogo”. “Transas” vendeu muito bem, mas o primeiro LP pela Polygram, “Loucura e Mágica”, não passou de 25 mil cópias. Em três anos, Ritchie fora de maior astro do Brasil a fracasso de vendas, tornando-se um exemplo marcante da efemeridade dos fenômenos pop.

Anos depois, quando fazia um show em Angra dos Reis, o cantor foi procurado por um homem, que se apresentou como radialista e lhe disse: “Há anos quero te contar um caso: quando você lançou ‘A Mulher Invisível’, aconteceu algo que eu nunca tinha presenciado em mais de 30 anos trabalhando em rádio: eu ganhei um jabá da sua própria gravadora para não tocar sua música!”.

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NÃO É AUTISMO, É IPAD

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bebê tablet NÃO É AUTISMO, É IPAD

A fonoaudióloga Maria Lúcia Novaes Menezes está preocupada com um fenômeno que tem percebido nos últimos tempos: o aumento do número de crianças muito novas – de dois ou três anos – usando tablets.

Profissional com mais de 30 anos de experiência, a doutora tem atendido, em seu consultório no Rio de Janeiro, inúmeros casos em que os pais chegam a suspeitar que os filhos são autistas, sem perceber que o uso prolongado de tablets, joguinhos eletrônicos e celulares é que está dificultando o desenvolvimento da comunicação das crianças.

Fiz uma breve entrevista com a doutora Maria Lúcia Novaes Menezes. Aqui vai a conversa:

 

A senhora disse estar assustada com o número de pais que deixam filhos pequenos - crianças de dois ou três anos - usarem tablets. Isso tem aumentado nos últimos tempos?

A cada ano percebe-se que aumenta o número de crianças com menos de três anos de idade fazendo uso de tablets. Podemos observar, nos shoppings, bebês com tablets pendurados nos carrinhos. Isso tem prejudicado o desenvolvimento da linguagem e, principalmente, da socialização.

 

Quais as consequências que a senhora tem percebido nas crianças?

Se considerarmos que, nos primeiros três anos de vida da criança o desenvolvimento da cognição social se dá através do desenvolvimento da intersubjetividade, ou seja, que as diferentes fases da interação da criança com seus pais e cuidadores se dão através de compartilhar experiências e do olhar da criança para o outro, a utilização do tablet impede estas ações.

O tablet, utilizado por longo tempo, retira do contexto da criança esse contato fundamental para a socialização, causando um prejuízo no desenvolvimento das habilidades humanas que dependem da socialização, do envolvimento com o outro, prejudicando o desenvolvimento da socialização e do aprendizado que depende de experiências com o mundo à sua volta.

 

A senhora mencionou que alguns pais a procuram para tratar de supostos problemas de comunicação das crianças, sem perceber que o uso do tablet é uma das principais razões para isso.

O que tenho observado, principalmente no último ano de clínica, é que o uso do tablet e outros eletrônicos está cada vez mais tomando o lugar da interação entre as crianças e seus pais e o brincar no contexto familiar. Os pais passam muito tempo no trabalho, chegam em casa cansados e, quando os filhos querem assistir desenhos e joguinhos no tablet, eles liberam, em vez de tentar conversar ou brincar.

Como conseqüência, se a criança tem alguma dificuldade para adquirir a linguagem e a socialização, essa pouca comunicação com os pais poderá desencadear esse déficit. Talvez, em um contexto familiar onde fosse mais estimulado a se comunicar e brincar, essa dificuldade não aparecesse de forma tão acentuada. Essa hipótese surgiu da minha prática clínica, onde na entrevista com os pais eles relatam o uso de tablets, jogos no celular e DVD. Tem acontecido com freqüência que a observação dos pais da forma que interagimos e brincamos com a criança no set terapêutico e como, aos poucos, seu filho vai começando ou expandindo a sua comunicação e o interesse em brincar, eles mudam a dinâmica com seus filhos no contexto familiar, a comunicação verbal e social da criança começa a expandir, os pais ficam mais tranqüilos e mais próximos dos filhos, e a criança, tendo a companhia do pai ou da mãe, passa a se interessar mais pelos brinquedos e em brincar e diminui o interesse pelo tablet, DVDs e joguinhos nos celular.

 

A senhora mencionou casos em que os pais suspeitavam ter um filho autista, mas o problema da criança se resumia a uso prolongado de novas tecnologias.

No ano de 2014 atendi crianças com idade em torno de dois anos, trazidas com queixa de comunicação social e desenvolvimento da fala, os pais suspeitando de autismo. Mas, ao mudar a dinâmica familiar, essas crianças apresentaram uma mudança muito grande na sua comunicação social e verbal.

 

O que os pais devem fazer para evitar problemas desse tipo, numa época em que os tablets estão em todos os lugares?

Sei que é difícil ir contra o sistema e penso que a criança deve ser cobrada pelos amiguinhos para ter e usar um tablet. O que talvez auxiliasse a romper com o hábito dos joguinhos eletrônicos e tablets seria restringir ao máximo possível o uso do tablet. Talvez a melhor forma de se conseguir é dando mais atenção ao filho através de conversas, do brincar, e utilizar mais jogos não eletrônicos e mais interativos.

Currículo de Maria Lúcia Novaes Menezes

Fonoaudióloga formada em 1984 pela Faculdades Integradas Estácio de Sá, mestre em Distúrbios da Comunicação, em 1993, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com cursos na New York University reconhecidos e creditados neste mestrado e doutora em Saúde da Criança e da Mulher pela Fundação Oswaldo Cruz (2003). Aposentada da FIOCRUZ em 2014, mas ainda permanecendo como orientadora do projeto de pesquisa do Ambulatório de Fonoaudiologia Especializado em Linguagem / AFEL. Atua como fonoaudióloga na clínica em avaliação e diagnóstico dos distúrbios da linguagem e orientação aos pais. Autora da escala de Avaliação do Desenvolvimento da Linguagem, idealizado, padronizado e validado no Brasil para avaliar o desenvolvimento da linguagem da criança brasileira.

P.S.: Estarei sem acesso à Internet até umas 11h. Se o seu comentário demorar a ser publicado, peço desculpas e um pouco de paciência.

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EU SOU CHARLIE

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Je suis charlie 640 1024x512 EU SOU CHARLIE

Cada vez que o jornalismo é atacado, como no sangrento atentado de hoje de manhã em Paris, sinto mais orgulho de ter escolhido essa profissão e mais respeito pelos profissionais que não se intimidam.

O "Charlie Hebdo", uma espécie de "Pasquim" francês, já havia sido atacado outras vezes. Em 2011, um incêndio criminoso destruiu a redação do jornal, que passou a funcionar, num bonito gesto de solidariedade, na redação do jornal "Libération".

Por ocasião daquele atentado, o "The New York Times" publicou um artigo sobre o "Charlie Hebdo". Aqui vai o trecho mais emocionante:

"Em um incomum exemplo de unanimidade, políticos de vários espectros ideológicos se manifestaram em defesa da liberdade de expressão de uma publicação com a qual suas relações nem sempre foram amistosas. Jornais, revistas, sindicatos e, ao menos, um partido de esquerda rapidamente ofereceram espaço de trabalho para o 'Charlie Hebdo', que hoje está funcionando na redação do diário 'Libération'. No domingo, o grupo antirracismo S.O.S. Racisme organizou um protesto em Paris contra 'fundamentalistas religiosos', insistindo que a democracia exige 'o direito absoluto à blasfêmia'."

O atentado de Paris é um crime contra a liberdade de expressão. Os mortos - doze, até a hora em que escrevo, incluindo dois policiais, o diretor do jornal, Stéphane Charbonnier, e os cartunistas Jean Cabut, Wolinski e Tignous - foram abatidos enquanto trabalhavam, como faziam todos os dias, em defesa de suas opiniões e ideias. Concorde ou não com elas, não podem ser tolhidas, seja por censura ou, pior, por violência.

E se os terroristas consideram mártires aqueles que morrem enquanto explodem inocentes, nós deveríamos considerar mártires os que morrem defendendo a liberdade de ideias. Como a equipe do "Charlie Hebdo".

P.S.: Amanhã publicarei aqui no blog um texto de meu amigo Allan Sieber, grande cartunista brasileiro, sobre os artistas mortos no atentado ao "Charlie Hebdo".

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ALLAN SIEBER: MAOMÉ TEM MAIS COM O QUE SE PREOCUPAR

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Pedi a meu grande amigo Allan Sieber, um dos caras que mais entende de cartuns e quadrinhos no Brasil, para escrever sobre a perda dos artistas do “Charlie Hebdo”. Allan não só escreveu um texto responsa, como ainda selecionou alguns de seus cartuns prediletos de Wolinski e Charb. Confira...

WOLINSKI02 ALLAN SIEBER: MAOMÉ TEM MAIS COM O QUE SE PREOCUPAR

Certamente a última coisa que passava pela cabeça do cartunista francês Wolinski na manhã de quarta-feira era que dois psicopatas fanáticos invadiriam a redação do periódico de humor “Charlie Hebdo” e abririam fogo contra editores, jornalistas e cartunistas. É mais provável que estivesse pensando em bundas, peitos e discussões idiotas de casais. Uma morte estúpida - e qual não é, oras? – para alguém que sempre usou a estupidez das relações humanas como a matéria prima do seu trabalho. Homens vs. mulheres, feministas vs. machistas, direita vs. esquerda, racistas vs. imigrantes.

Dos quatro cartunistas mortos, eu tinha intimidade com o trabalho de dois, Wolinski e Charb, o editor do “CH” nos últimos anos e um sujeito culhudo de verdade. Imaginem: em 2011, depois de ter a redação incendiada por extremistas (por conta de uma capa com Maomé), o número seguinte estampava um desenho com o próprio Charb e um muçulmano de turbante se beijando na boca... Porra, para mim isso já era motivo pro cara ganhar uma estátua em praça pública. El Señor Fodón!

CAPA POS INCENDIO2011 228x300 ALLAN SIEBER: MAOMÉ TEM MAIS COM O QUE SE PREOCUPAR

Há alguns anos, havia uma discussão ridícula na França sobre responsabilidade no jornalismo, limites do humor, essas merdas de sempre, aí a capa do “CH” era branca com um lettering em vermelho: “Um jornal responsável”. Dentro só tinha as legendas dos cartuns, o resto era TUDO branco. Nunca ninguém teve a manha de fazer um jornal mais chapa branca que esse.

jornal responsavel ALLAN SIEBER: MAOMÉ TEM MAIS COM O QUE SE PREOCUPAR

Wolinski eu conheci através de um álbum que a L&PM lançou por aqui nos anos 80 e que certamente influenciou muita gente, de Adão Iturrusgarai a Caco Galhardo, passando pelos novos enfant terribles Pablo Carranza, Daniel Lafaiete e os toscos da revista Xula. O desenho variava do chutadão vamos-terminar-essa-merda-rápido-que-eu-tenho-coisa-melhor-pra-fazer até desenhos sombreados finamente, com muito domínio de expressão e corpo humano. Ou seja, quando ele tinha saco, ele desenhava pra caralho. Aliás, toda turma da “Hara-Kiri” (de onde veio a “Hara-Kiri Hebdo”, que depois virou a “Charlie Hebdo”) era de matar: Reiser, Wolinski, Cavanna, Cabu, o impagável Professeur Choron e muitos outros monstros. Esses pesos-pesados influenciaram os maloqueiros da geração 80 dos quadrinhos franceses, a chamada BD Rock, grande parte deles publicados aqui no Brasil pela revista Animal, como Vuillemin – o cartunista mais podre de todos os tempos - , Margerin e Jano.

WOLINSKI01 300x283 ALLAN SIEBER: MAOMÉ TEM MAIS COM O QUE SE PREOCUPAR

Wolinski dizia para a esposa que, quando morresse, queria que suas cinzas fossem atiradas no vaso sanitário, assim, ele veria a bunda dela todos os dias. Espero que a viúva faça essa delicadeza. Um brinde ao mestre! A votre santé!

ideafixa Allan Sieber ALLAN SIEBER: MAOMÉ TEM MAIS COM O QUE SE PREOCUPAR
Allan Sieber

P.S.: Dei uma entrevista para a CBN sobre meu livro "Pavões Misteriosos" e as histórias do pop brasileiro dos anos 70 e 80. O link está aqui.

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ATÉ TU, LAERTE?

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 ATÉ TU, LAERTE?
“Isso é um gesto de uma agressividade e de uma violência absurdas. Eu continuo a favor da liberdade de expressão. Continuo achando que deve existir, mas que existe num mundo que também não pode ignorar um contexto de maioria religiosa e mexer com os dogmas daquela religião impunemente.

É uma polêmica bastante ambígua, cheia de lados. Faço questão de levar todos esses lados em conta.

Não acho que deve haver liberdade de expressão pra quem tá a fim de fomentar o ódio, o machismo, a homofobia e o racismo. Mas eu também sou a favor da liberdade de expressão – o humor sem liberdade de expressão morre.”

Laerte, cartunista, à “Folha de S. Paulo”.

De todas as declarações sobre o atentado ao “Charlie Hebdo”, a que me deixou mais consternado foi esta. Não só pelo conteúdo, mas pelo autor.

Nunca poderia imaginar que Laerte achasse normal tirar a liberdade de expressão de alguém, mesmo a de um machista, homofóbico ou racista.

Laerte, para mim, sempre foi um farol de liberdade de expressão, um artista que falou sobre temas delicados – gênero, sexualidade, comportamento, homofobia – da maneira mais aberta, transgressora e genial.

Saber que ele se preocupa com “o contexto de maioria religiosa” e com dogmas de certa religião foi um choque. E o fim da frase, "num mundo que também não pode (...) mexer com os dogmas daquela religião impunemente”, foi uma estaca no coração.

Claro que Laerte não está defendendo a censura. O que ele quis dizer – espero que eu tenha entendido corretamente – é que precisamos tomar cuidado com o que dizemos e que mexer com certos dogmas pode causar punição. E isso é um absurdo.

Ninguém tem de “tomar cuidado” com nada. Para ofensas, calúnias e palavras racistas, existe a lei. Racismo é crime. Quem se sentir ofendido tem todo o direito de processar o autor das palavras caluniosas e preconceituosas.

Agora, é muito fácil defender liberdade de expressão para opiniões com as quais concordamos. O difícil é aceitar que esse direito precisa ser estendido também a quem nos repugna.

No último parágrafo, Laerte se contradiz: ele é a favor da liberdade de expressão, mas não para todo mundo. Como se existisse “meia” liberdade.

E a última frase, “o humor sem liberdade de expressão morre”, é perfeita. Com um adendo: se o humor precisar, como sugere Laerte, olhar por cima do ombro para decidir se publica ou não uma opinião, estará morto.

P.S.: Estarei sem acesso à Internet até umas 11h. Se o seu comentário demorar a ser publicado, peço desculpas e um pouco de paciência.

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A RESPOSTA DE LAERTE!

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laerte A RESPOSTA DE LAERTE!

É por isso que eu amo Laerte: ela escreveu para o blog respondendo ao meu texto. Aqui vai o comentário dela:

"Essa fala está muito tumultuada, mesmo - mistura preocupações mais perenes com o estupor de um momento trágico. Peço desculpas pela falta de clareza, que motivou seus comentários, André. Em outras declarações, feitas mais tarde e em outros veículos, acho que fui um pouco mais equilibrada."

Muitíssimo obrigado, Laerte, por manter a discussão em alto nível e não ficar melindrada com críticas. Foi uma atitude adulta, madura e democrática, exatamente o que todos esperamos de você. Sou seu fã incondicional.

Beijo,
André

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ROCK IN RIO: 30 ANOS ESTA NOITE

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 ROCK IN RIO: 30 ANOS ESTA NOITE
Quem diz ter saudades dos anos 80 é porque não estava lá.

A década de 80, para quem gostava de rock e música mais alternativa, foi uma pasmaceira só: discos não chegavam, revistas de música importadas custavam uma fortuna e as rádios, com exceção da Fluminense FM, só tocavam Gal Costa e Djavan.

Shows eram raríssimos, especialmente estrangeiros. Vi Queen, Kiss, Peter Frampton, Police e Van Halen, vários no Maracanãzinho, com sua acústica de banheiro de rodoviária.

Quando começaram os boatos sobre um festival que traria AC/DC, Ozzy Osbourne, Yes, Queen, Iron Maiden, Scorpions, Rod Stewart e B-52’s, muita gente – inclusive eu – achou que era pegadinha. Era bom demais para ser verdade.

Na minha turma do colégio – e peço aos companheiros de São Bento que me corrijam se a memória falhar – havia um colega chamado Ya-ery. O pai de Ya-ery trabalhava no tal festival e todo dia ele chegava à sala com novidades: “Fecharam o Yes!”; “Tão sondando o Def Leppard”, essas coisas. Todo mundo achava que era cascata.

No fim de 1984, quando anunciaram o line-up do primeiro Rock in Rio, vimos que não era cascata: vários dos nomes antecipados por nosso colega de turma estavam na escalação. Logo depois, ele organizou uma excursão da escola para vermos as instalações e o palco. Parecia um sonho.

Até então, minha ambição roqueira era ver o Água Brava no Circo Voador. Por isso, quando abriram as vendas, saí correndo e comprei um pacote para os dez dias.

Alguns line-ups foram insanos: quem seria capaz de escalar Ozzy Osbourne para tocar entre Rita Lee e Rod Stewart? Mas foi o que aconteceu no dia 16 de janeiro de 1985. E ninguém reclamou. O público estava tão feliz por testemunhar aquilo, que achou super normal o comedor de morcego tocar depois da doce vampira.

E quem reclama da infra de shows no Brasil hoje não tem ideia da esculhambação que foi o primeiro Rock in Rio. Eu morava na Ilha do Governador e, no primeiro dia, levei quase cinco horas para chegar à Cidade do Rock (ainda não existia a Linha Amarela, que hoje diminuiu demais o trajeto). Depois do show do Queen, demorei tanto para chegar em casa, que já estava na hora de retornar para o show seguinte.

Os banheiros alagaram em cinco minutos, e toda a área de sanitários virou uma imensa piscina nauseabunda. Comprar um Big Bob levava duas horas. O lugar estava tão cheio que, se você deixasse seu lugar na frente do palco para ir ao banheiro, não conseguia voltar de jeito nenhum. O jeito era aliviar-se ali mesmo.

A maioria dos artistas do Rock in Rio ficou hospedado em Copacabana. Costumávamos passar pelo bairro, no caminho do show, para tentar ver algum dos astros de perto. Um amigo conseguiu penetrar no hotel do Iron Maiden e saiu chorando, com um autógrafo de Dave Murray riscado num guardanapo do Bob’s. Naquela época pré-Internet, a única referência visual dos artistas era a capa de seus discos, e qualquer gringo cabeludo era cercado na rua e acossado pelos fãs: “Olha o John Sykes!”; “Aquele não é o cantor do Yes?”.

Dizer que o Rock in Rio foi marcante é pouco. O evento revolucionou o mercado da música no Brasil e abriu o país ao pop internacional. Para nós, adolescentes na época, vivenciar aqueles dez dias foi um delírio até hoje inigualado. Nada do que foi seria de novo do jeito que já fora um dia.

E o melhor momento do festival, sem duvida, foi ver Ozzy Osbourne rasgando uma camisa do Flamengo. Vida longa ao rei do metal.

ADEUS, ANITA!

Anita Ekberg se foi, aos 83. Uma imagem para homenagear a musa, que Fellini eternizou em "A Doce Vida".

anita ekberg 01 ROCK IN RIO: 30 ANOS ESTA NOITE

P.S.: Publiquei esse texto especialmente no domingo, para entrar no especial "Rock in Rio 30 Anos", do R7. Publico um texto inédito na terça. Até lá.

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MAIS UM “CAUSO” DE TIM MAIA

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tim maia divulgacao 2 1 MAIS UM “CAUSO” DE TIM MAIA
O texto da semana passada sobre a declaração de Tim Maia de que Roberto Carlos teria “puxado o tapete” de Ritchie na CBS deu tanta repercussão que decidi publicar outro “causo” curioso envolvendo o “Síndico”.

A história está em meu livro “Pavões Misteriosos – 1974-1983: A Explosão da Música Pop no Brasil” (Editora Três Estrelas) e me foi contada por Pepeu Gomes, personagem de mais essa lenda tim-maiana (e aos leitores que perguntaram: infelizmente, o livro ainda não está disponível em versão digital). Aqui vai o trecho:

Depois do fim dos Novos Baianos, Pepeu Gomes e Baby Consuelo finalmente conseguiram fazer sucesso comercial. Eles capricharam no visual futurista/tropicalista/new wave, misturando cabelos coloridos, penas, roupas de aparência metálica e penteados esquisitos. Lançaram vários hits da FM, como “O mal é o que sai da boca do homem”, “Menino do Rio”, “Eu também quero beijar”, “Masculino e feminino” e “Todo dia era dia de índio”.

O casal também apareceu em programas de TV falando de Thomas Green Morton, um suposto paranormal mineiro que popularizou o “Rá!”, seu “grito energizante”. Além de Pepeu e Baby, outros músicos famosos, como Elba Ramalho, Gal Costa, Sérgio Reis e até Tom Jobim, foram vistos gritando “Rá!” nos palcos do Brasil afora.

pepeu MAIS UM “CAUSO” DE TIM MAIA

Tim Maia, que depois da experiência fracassada com a Cultura Racional havia se tornado um cético em relação a gurus de qualquer tipo, costumava ironizar a turma do “Rá!”. Em um show no Canecão, em meados dos anos 1980, disse à plateia:

— Agora quero ver todo mundo cantando comigo o “Rá!”. Vamos lá, um, dois três...
— Rá! — gritaram os fãs.
— ...diopatrulha! — completou Tim, para risadas gerais.
— Rá!
— ...padura!
— Rá!
— ...banada!
Quando a plateia já estava às gargalhadas, Tim arrematou:
— Rá!
— ...paputaqueopariu!

Pepeu Gomes não se aborreceu com Tim Maia. Nem poderia: Tim era um de seus grandes ídolos, um artista que, na opinião de Pepeu, fazia um trabalho musical de alta qualidade sem perder a pegada pop ou abdicar do apelo comercial. A admiração aumentou ainda mais depois que os dois se tornaram vizinhos, no famoso prédio da Barra da Tijuca onde Tim era síndico.

“Minha varanda era colada na varanda do Tim. Nós fazíamos ‘negociações’ pela varanda e ficamos amigos. Mas ele era ainda mais notívago que eu. Várias vezes, meu telefone tocava de madrugada e era o Tim, pra lá de Bagdá:

— Pepeu Gomes, corre na varanda que as naves estão todas em cima do mar!
— Puta que pariu, Tim, são cinco da manhã!
— Vai lá, Pepeu Gomes, vai na varanda pra ver, as naves chegaram!
— Tem certeza de que elas estão lá, Tim?
— Tenho, Pepeu Gomes, vai rápido!
Aí eu chegava na varanda e tava uma chuva da porra, não dava pra ver nada!”

Um dia, Pepeu estava em casa quando ouviu um grande movimento na rua. Foi à varanda e teve uma visão assustadora: não eram as naves voadoras de Tim Maia, mas vários carros da Aeronáutica, que estacionavam apressadamente na frente do prédio.

Curioso, desceu para ver do que se tratava. Tim Maia tinha dado cano em um show que faria em um clube da Aeronáutica, na Ilha do Governador. Segundo um oficial, havia 5 mil pessoas esperando pelo cantor. Depois de bater na porta do “síndico” por um bom tempo, sem sucesso, um dos oficiais implorou a Pepeu que tocasse no lugar de Tim Maia. “Eu estava de folga, não tinha nenhum show marcado, peguei o telefone, chamei um baterista e um baixista e fui correndo pro clube. Fizemos o show sem ensaiar nada. Eu virava pros músicos e gritava: ‘Deusa do amor, dó maior, se vira!’, e conseguimos terminar o show. O público adorou. Quando voltei, no dia seguinte de manhã, quem estava na porta do meu apartamento?
— Pepeu Gomes, meu grande amigo! E aí, sobrevivemos?
— Sobrevivemos é a puta que pariu, Tim! Você devia dar graças a Deus por eu estar aqui, senão você ia levar um tiro de espingarda!
— E como eu posso retribuir o favor, meu amigo Pepeu Gomes?
— Só tem um jeito...
— E qual é, Pepeu Gomes?
— Grava uma música no meu disco!
— Ora, com o maior prazer!”

Pepeu tinha uma música perfeita para Tim: “Deixa rolar”, uma baladona cheia de suingue (“Vem, vem, vem/ bota pra fora/ Vem, vem, vem/ você é fera/ Vem, vem, vem, esquece da hora/ Vem, vem, vem/ solta essa fera!”). Eles combinaram a data de gravação e Pepeu decidiu chamar alguns jornais para cobrir a sessão. “Era o Tim Maia cantando no meu disco, eu estava orgulhoso pra cacete!”

Na noite marcada, Pepeu e os técnicos deixaram a faixa prontinha para Tim gravar e esperaram o músico no estúdio. “Eu estava lá com a equipe toda do estúdio, músicos, o pessoal do Globo, do Jornal do Brasil, e nada de o Tim aparecer. Mandei buscar pizza e cerveja, sabe como é, o Tim é notívago, daqui a pouco ele chega, aquela coisa, mas nada do Tim, e eu comecei a ficar desesperado.” Às duas da manhã, os jornalistas foram embora. Às quatro, os técnicos do estúdio começaram a desmontar tudo. Pepeu desistiu: “Esse puto não vem mais!”.

Quando já estava na rua, com o dia amanhecendo, Pepeu viu um táxi parando na porta do estúdio: “Meu amigo Pepeu Gomes! Vamos gravar?”. Era Tim Maia. “Eu implorei ao técnico: ‘Pelo amor de Deus, não me abandone agora!’. O cara foi um santo, ligou todo o equipamento do estúdio de novo, entramos, e o Tim cantou pra caralho! Gravou a música de primeira! Quando eu tiver noventa anos, vou contar essa história pros meus netos!”

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“PERFIDIA”: UM JAMES ELLROY MONSTRUOSO

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james ellroy lead EHSS “PERFIDIA”: UM JAMES ELLROY MONSTRUOSO
James Ellroy parece ter chegado naquela fase da carreira em que faz o que quer, como quer, e sem ligar pra ninguém. Seu novo livro, “Perfidia”, é um tijolo de 720 páginas de narrativa densa, em que dezenas – não é exagero – de subtramas se amarram numa teia complexa e quase impenetrável. Terminar “Perfidia” é uma tarefa dura, mas recompensadora.

O livro tem uma multidão de personagens. São tantos, na verdade, que Ellroy organizou uma lista – Dramatis Personae – no fim do livro, com uma pequena biografia de cada um. Exatos 87 personagens.

“Perfidia” é o primeiro volume de uma tetralogia que Ellroy está chamando de “Segundo Quarteto de Los Angeles”. O primeiro “Quarteto” – “Dália Negra”, “O Grande Deserto”, “Los Angeles, Cidade Proibida” e “White Jazz” – trouxe histórias policiais sombrias e violentas, passadas na cidade dos anjos entre os anos de 1946 a 1958.

Ellroy seguiu com sua “Trilogia Underworld USA” – pra mim, seu auge literário – com “Tablóide Americano”, “Seis Mil em Espécie” e “Sangue Errante”, livros imensos e ambiciosos, em que contava uma “história secreta” da política americana entre 1958 e 1972, misturando gângsteres, a CIA, o FBI, Hollywood e personagens reais como os Kennedy e Hoover. Para quem gosta de literatura “pulp”, é o Santo Graal.

Ao longo das duas “séries”, Ellroy utilizou vários dos mesmos personagens, que aparecem e desaparecem das narrativas dependendo do livro. Um policial que surge em “Dália Negra” pode ressurgir em “White Jazz”, por exemplo.

Com “Perfidia”, o autor recuou no tempo e iniciou uma narrativa que começa em 1941 e pretende chegar, no quarto livro, a 1958, “amarrando” os sete livros seguintes numa imensa cadeia de puro delírio “pulp”.
“Perfidia” conta três semanas na vida de Los Angeles, no fim de 1941. O livro começa em 6 de dezembro, quando a polícia da cidade é chamada a uma residência e encontra quatro membros de uma família mortos no que parece ser um ritual de seppuku. Mas Hideo Ashida, um brilhante detetive americano de família japonesa, tem certeza que o caso envolve assassinato.

No dia seguinte, os japoneses bombardeiam Pearl Harbor, e a cidade entra em estado de alerta com medo de novos ataques. Nas ruas, cidadãos japoneses – e chineses que os angelenos não conseguem reconhecer de japoneses – são espancados; há vários assassinatos raciais e a tensão atinge ponto de ebulição.

Partindo desse cenário, James Ellroy cria uma história absurdamente complexa, que envolve campos de concentração para orientais, confisco de bens e imóveis de famílias japonesas, um sádico plano para “transformar” japoneses ricos em chineses por meio de cirurgia plástica, grupos nazistas atuando na Califórnia, socialites de Hollywood acusados de atuação de Quinta-coluna, submarinos japoneses vistos nas praias da Califórnia e muitos, mas muitos, mas muitos crimes hediondos, a maioria perpetrados pelo hediondo Sargento Dudley Smith e descritos naquele estilo telegráfico, minimalista e brutal que Ellroy vem aperfeiçoando há 30 anos.

Não é fácil terminar “Perfidia”. Por várias vezes, tive de reler trechos anteriores para não me perder na história. E Ellroy não parece disposto a facilitar nada. O uso de gírias, linguagem de tabloide e palavras inventadas pela criatividade linguística sem limites do autor dificulta demais a compreensão de certos trechos. Tenho pena de quem vai traduzir o livro.

Achei que Ellroy estava tão absorto em chegar ao final da história que utilizou algumas saídas “fáceis” em certos momentos, prejudicando a credibilidade da trama. Mesmo quem é habitué de seu mundo estranho, em que personagens aparentemente distantes acabam por se revelar parceiros – ou até parentes – vai ter dificuldade em engolir certos trechos.

O que dizer de uma máquina fotográfica com disparador automático, programada para clicar a intervalos regulares e colocada numa esquina qualquer por Hideo Ashida para fotografar placas de carros suspeitos, que acaba por flagrar um policial recebendo suborno de um mafioso chinês? Ou de uma linha cruzada num telefone da polícia em que um detetive ouve dois superiores falando dele próprio?

Confesso que esses rombos de lógica frearam um pouco meu entusiasmo pelo livro. Mas, de vez em quando, Ellroy aparece com duas páginas de pura genialidade “pulp”, narradas com a rapidez e violência de uma sequência de jabs e uppercuts, e você lembra que não dá pra viver sem ele.

ADEUS, FRANCESCO!

O ano começa mal para o cinema: num dia, Anita Ekberg; um dia antes, Francesco Rosi, grande diretor do cinema político italiano e um dos prediletos de Scorsese, que se foi aos 92 anos. Rosi não só dirigiu clássicos como "Salvatore Giuliano", "Mãos sobre a Cidade", "Cristo Parou em Eboli", "O Caso Mattei" e "Cadáveres Ilustres", entre outros, como escreveu "Bellissima", de Visconti.

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WHIPLASH: A TORTURA DO SOLO DE BATERIA

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Ossos quebrados, sangramentos, esgotamento físico e mental, impulsos suicidas, depressão, tortura psicológica... Não é o resultado de um teste para o BOPE, mas a audição para uma prestigiada escola de música de Nova York, sob o comando de Terence Fletcher (J.K. Simmons), mostrada em “Whiplash”.

Fletcher é um dos personagens mais odiáveis que o cinema mostrou em muito tempo. Seu sadismo, maldade e arrogância só têm paralelo em personagens militares especializados em treinar meninos para a guerra, como o sargento Hartman interpretado por R. Lee Emmey em “Nascido para Matar” (Stanley Kubrick, 1987) ou o sargento Emil Foley vivido por Louis Gossett Jr. em “A Força do Destino” (Taylor Hackford, 1982).

Fletcher é o professor mais temido da escola Shaeffer, e os poucos alunos escolhidos para seu grupo de jazz passam por ensaios torturantes, mas sabem que podem sair dali e conseguir uma vaga em alguma grande banda – ou até, quem sabe, tocar com Wynton Marsalis na Orquestra do Lincoln Center.

É o sonho de Andrew Neyman (Milles Teller), um jovem ambicioso, que chega à escola e logo entra em rota de colisão com Fletcher. Este percebe talento no rapaz, mas o submete a um jogo psicológico para quebrar sua confiança e fazê-lo se esforçar cada vez mais.

O tema de “Whiplash” é a disputa entre mestre e pupilo. O que, na teoria, deveria ser um relacionamento paternal e carinhoso, com o veterano abraçando o novato e o guiando na direção da genialidade, aqui é uma briga de MMA, em que Fletcher tenta destruir a psique de Neyman para fazê-lo perceber que só a transpiração leva à inspiração.

Isso torna Neyman um músico melhor, mas destrói sua vida. Ele é incapaz de manter uma conversa com qualquer um que não envolva falar de jazz e de seus ídolos - Buddy Rich, Bob Ellis, etc. – e vê até sua vida amorosa prejudicada. Não parece haver espaço para romantismo no jazz.

Essa é uma questão interessante do filme: fazer música não deveria ser um prazer? Mas você sai da sessão com sérias dúvidas sobre isso. Durante todo o filme, não há um momento sequer em que os músicos parecem estar se divertindo. “Whiplash” parece um “Survivor” do jazz.

P.S.: Estarei fora até o meio da tarde e impossibilitado de moderar comentários. Se o seu comentário demorar a ser publicado e respondido, peço desculpas e um pouco de paciência. Obrigado.

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ADEUS, LINCOLN OLIVETTI, “MESTRE DOS MESTRES”

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lincolnolivetti ADEUS, LINCOLN OLIVETTI, “MESTRE DOS MESTRES”
Muito triste com a morte do músico Lincoln Olivetti, aos 60 anos.

Um dos maiores arranjadores do pop brasileiro, Olivetti era um tipo recluso, que não gostava de dar entrevistas e se mantinha longe de jornalistas. Levei quase nove meses para conseguir falar com ele para meu livro “Pavões Misteriosos – 1974-1983: a Explosão da Música Pop no Brasil”. Ele só aceitou falar por 20 minutos e pelo telefone.

Olivetti não gostava de jornalistas porque ainda se considerava injustiçado pela avalanche de críticas que recebeu, especialmente no fim dos anos 70, quando foi acusado de “pasteurizar” a música brasileira e torná-la mais comercial.

Seu currículo é impressionante: ele tocou e fez arranjos de metais em Rita Lee, lp que tinha “Lança perfume”, “Baila comigo” e “Caso sério”; fez os arranjos de “Festa do interior” e “Meu bem, meu mal” para Gal Costa, de “Não chore mais” e “Palco” para Gilberto Gil, e de “Eu e você, você e eu” e “Acenda o farol”, para Tim Maia. Trabalhou em centenas de discos de sucesso.

Como a notícia da morte de Olivetti pegou todo mundo de surpresa, resolvi publicar aqui, sob risco de parecer cabotino, mas já me desculpando antecipadamente, outro trecho de “Pavões Misteriosos”, que conta um pouco da vida e carreira desse música excepcional. Aqui vai:

Dos arranjadores e produtores que despontaram no fim da década de 1970, um dos mais polêmicos, influentes e talentosos foi Lincoln Olivetti. Personagem enigmático e recluso, avesso a entrevistas e a marketing pessoal, Olivetti foi, por muito tempo, malhado pela crítica e acusado de “pasteurizar” a música brasileira e torná-la excessivamente comercial. Seus pares, no entanto, o consideram uma sumidade. Perguntei a oito músicos o que achavam dele, e seis usaram a mesma palavra para defini-lo: “gênio”. Lulu Santos o chamou de “mestre dos mestres”; Pepeu Gomes o considera “um músico sempre à frente do seu tempo, fora de série, com um ouvido absoluto”.

Lincoln Olivetti nasceu em 1954 em Nilópolis, na Baixada Fluminense. O pai, Milton, era advogado e trabalhava em cartório, mas também compunha e tocava vários instrumentos. Lincoln começou a estudar piano ainda criança e logo se interessou por gravação e mixagem. Aos catorze anos, era dono de uma mesa de som Tascam e tocava teclados em bailes e festas. No fim dos anos 1960, montou um conjunto de baile que reinou em clubes como Nilopolitano, Ideal, Pavunense, Mesquita, Vasquinho de Morro Agudo e Esportivo da Penha, onde dividia o palco com A Bolha, Os Devaneios e Lafayette [tecladista de Roberto Carlos e da Jovem Guarda]. O repertório era o mais variado. “Eu tocava Jethro Tull, Humble Pie e Iron Butterfly, e emendava Emerson, Lake & Palmer com ‘Aquele abraço’, do Gil”, ele conta.

No início dos anos 1970, Olivetti já era uma lenda no subúrbio e tinha o melhor grupo de baile da cidade. “Eles tocavam Santana, Deep Purple, e eu ficava louco com aquilo”, lembra o compositor Paulo Massadas. Um dia, Massadas e um amigo foram à casa de Lincoln e encontraram o tecladista de pijama, na varanda. Lincoln os convidou para entrar. Massadas viu um piano na sala e começou a tocar “Love”, de John Lennon [“Love is real/ real is love/ love is feeling/ feeling love”]. Lincoln pediu para tocar. “Mas continua cantando, vai”, disse a Massadas. Depois de alguns minutos, Lincoln perguntou:
— Quer tocar comigo?
— Tocar ou cantar?
— Cantor eu já tenho, preciso de um contrabaixista. Quer tocar baixo?
— Mas eu não sei tocar baixo.
— Não tem problema, eu te ensino.
Para Massadas, que não se considerava um músico à altura de tocar com Olivetti, aquilo foi um desafio e uma honra: “Foi como se Paul McCartney me chamasse pra tocar”. Em um mês, ele estava tocando Led Zeppelin, Deep Purple e Humble Pie. Pouco depois, Massadas foi promovido a cantor da banda. “O Lincoln sacou que minha voz era boa pra cantar rock, que não tinha muita voz assim no Brasil, meio rasgada.”

Apesar de dominar técnicas de gravação e mixagem, Olivetti não pretendia trabalhar com produção de discos. Queria mesmo era alugar seus teclados, como fazia José Roberto Bertrami, tecladista do Azymuth: “Isso dava uma boa grana”. Em 1973, foi a São Paulo com o amigo Papi – que depois integraria o grupo Painel de Controle – mostrar músicas para Antonio Marcos, que estava gravando O homem de Nazaré. Lincoln foi à casa Del Vecchio, comprou um violão de doze cordas e acabou tocando violão e teclados nesse disco de Antonio Marcos, que teve arranjo do maestro Chiquinho de Moraes. “O Chico virou pra mim e disse: ‘Em cinco anos, você vai ser o melhor arranjador do Brasil’. Eu disse que não queria fazer arranjo, que isso dava um trabalho fodido.”

Em 1976, Olivetti conheceu o músico Robson Jorge durante a gravação de “Fim de tarde”, balada soul que Robson e Mauro Motta fizeram para a cantora Claudia Telles, filha de Sylvinha Telles, pioneira da Bossa Nova. “Essa foi a primeira grande música pop brasileira que ouvi”, lembra Massadas. “Era uma coisa nova no Brasil, com um arranjo supermoderno. Essa música marcou demais e influenciou muita gente.” Certamente marcou Olivetti, que iniciou uma parceria de sucesso com Robson Jorge. A colaboração culminou no disco instrumental Robson Jorge e Lincoln Olivetti, uma joia da soul music brasileira, lançado em 1982.

Olivetti participou, como músico ou arranjador, de muitos discos de sucesso na passagem dos anos 1970 para os 1980. Tocou e fez arranjos de metais em Rita Lee, lp que tinha “Lança perfume”, “Baila comigo” e “Caso sério”. Fez os arranjos de “Festa do interior” e “Meu bem, meu mal” para Gal Costa. Trabalhou com Jorge Ben em “Salve simpatia”, fez arranjos para Gilberto Gil em “Não chore mais” e “Palco”, e para Tim Maia em “Eu e você, você e eu” e “Acenda o farol”. Olivetti se especializou em arranjos festivos e dançantes, que alavancavam a vendagem dos discos, mas que nem sempre tinham os elogios da crítica. “Fui acusado de pasteurizar a mpb, mas eu só estava fazendo o que julgava melhor para os artistas.”

Roberto de Carvalho, marido e parceiro de Rita Lee, diz que contar com Olivetti e sua turma, no estúdio, representava um tremendo upgrade musical: “As gravações eram orgânicas, no primeiro take já estava tudo lá, sem muito playback. De um bom gosto a toda prova”. Lulu Santos lembra a reação negativa da crítica musical quando Gal Costa gravou o arranjo de Olivetti para “Festa do interior”, de Moraes Moreira: “Acho a gravação de Gal um glorioso monumento à melhor mpb. Foi um estouro sem tamanho. A reação da crítica foi de escárnio e fobia. Lembra o ‘Narciso às avessas’ do Nelson Rodrigues, uma incapacidade de lidar com o prazer da realização e a vitória”. Olivetti minimiza sua contribuição em “Festa do interior”, dizendo que a batida que há no começo da música foi uma ideia de Moraes Moreira e já tinha sido aprovada pelo público na temporada que Gal fizera no Canecão. As rusgas de Olivetti com a imprensa aumentaram por causa de seu temperamento fechado: “Sempre caguei e andei pra entrevista, só me preocupava com meu trabalho, não ligava pra festa nem autopromoção”. Seus hábitos de trabalho eram peculiares: ele costumava gravar só de madrugada. Pepeu Gomes apelidou o estúdio de Olivetti de “Morcegão”: “Eu ligava: ‘Aí, Lincoln, hoje tem Morcegão?’. E sabia que ia rolar sessão a noite toda”.

P.S.: Estarei fora até o meio da tarde e impossibilitado de moderar comentários. Se o seu comentário demorar a ser publicado e respondido, peço desculpas e um pouco de paciência. Obrigado.

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