Se você pudesse escolher os filmes de um determinado movimento cinematográfico para levar para uma ilha deserta, que movimento escolheria? O Neorrealismo italiano dos anos 40? A Nouvelle Vague francesa dos 60? O cinema americano dos 70? Filmes japoneses dos anos 60?
Eu não tenho dúvida: levaria uma seleção de filmes Expressionistas alemães da década de 1920. Nada supera isso.
Há algumas semanas, começamos aqui em casa uma retrospectiva com DVDs de Murnau, Fritz Lang, Robert Wiene, Paul Wegener, Paul Leni e outros. Perto desses, qualquer filme contemporâneo vira perda de tempo.
O Expressionismo no cinema alemão nasceu logo depois da Primeira Guerra, quando o governo baniu filmes importados e o país precisou desenvolver sua indústria de cinema. Na época, a Alemanha passava por um momento terrível de pobreza, medo e conflitos sociais, e uma nova geração de cineastas começou a fazer obras que refletiam esse estado caótico.
Eram filmes estranhos e perturbadores sobre homens insanos, monstros, bandidos sádicos, vampiros, lendas mitológicas e sociedades totalitárias. Além dos temas, a estética também era radical, com uma fotografia altamente contrastada em preto e branco e cenários tortos e bizarros que refletiam a confusão mental dos personagens.
Até surgir o Expressionismo, o cinema preocupava-se em mostrar a realidade. Era quase que um mero reprodutor da realidade, e isso fascinava as plateias. Já o Expressionismo estava mais interessado na realidade interior dos personagens, em explorar os pensamentos, anseios e angústias deles, por mais assustadoras e desagradáveis que fossem.
Aqui vai uma lista, em ordem cronológica, de dez grandes filmes Expressionistas. Se você se interessa pelo tema, sugiro dois excelentes livros traduzidos em português e que podem ser encontrados em sebos: “A Tela Demoníaca”, de Lotte Eisner, e “De Caligari a Hitler”, de Siegfried Kracauer.
O Gabinete do Doutor Caligari (Robert Wiene, 1919)
Se você quer ver um filme que represente a estética Expressionista comece por esta obra-prima sobre um médico demente, Caligari (Werner Krauss) que usa um sonâmbulo, Cesare (Conrad Veidt), para cometer crimes e espalhar o terror numa pequena cidade.
O Golem (Paul Wegener e Carl Boese, 1920)
Baseado em uma antiga lenda judaica, conta a história de um rabino de Praga que cria uma enorme criatura de argila, o Golem, para proteger seu povo. Mary Shelley supostamente usou muitos elementos da história para criar Frankenstein.
Nosferatu (F.W. Murnau, 1922)
Max Schreck faz o conde Graf Orlok, que sai de seu castelo na Transilvânia e leva a praga a uma pequena cidade alemã enquanto sonha em meter os dentes no pescoço de Ellen, a linda esposa de um agente imobiliário. Ainda não fizeram uma cena de terror mais assustadora do que o navio abandonado chegando ao porto trazendo os caixões com Orlok e milhares de ratos.
Häxan – A Feitiçaria Através dos Tempos (Benjamin Christensen, 1922)
Vou cometer um sacrilégio: incluir, numa lista de clássicos Expressionistas alemães, um filme sueco dirigido por um dinamarquês. Mas “Häxan” não só traz as principais características do gênero, como é um dos melhores e mais perturbadores filmes da época, uma mistura de documentário e reencenações inspirada pelo Malleus Maleficarum”, um tratado alemão de 1486 sobre bruxaria e perseguições a bruxas e ocultistas. Se tiver chance, veja o DVD lançado pela Criterion, que traz uma versão do filme narrada pelo escritor beat Wiliam Burroughs e com música de Jean Luc-Ponty. E boa sorte tentando dormir depois...
O Gabinete das Figuras de Cera (Paul Leni, 1924)
Num circo mambembe, um jovem poeta é contratado para escrever histórias sobre três figuras de cera que são exibidas aos espectadores: Jack o Estripador, Ivan o Terrível e o Califa de Bagdá. Em sonhos, o poeta assiste a histórias sobre os personagens. A sequência do Califa é uma das passagens mais lindas do cinema, com cenários que lembram as obras do catalão Gaudí.
A Última Gargalhada (F.W. Murnau, 1924)
Diferentemente da maioria dos filmes da lista, “A Última Gargalhada” não lida com temas sobrenaturais ou de terror. É um drama sobre um orgulhoso porteiro de hotel que é humilhado quando o transferem para um posto menos prestigioso. Destaque para a atuação de Emil Jannings no papel principal. Jannings foi um dos grandes atores da história do cinema alemão, mas depois aliou-se ao nazismo e fez diversos filmes de propaganda (Tarantino cita Jannings numa cena de “Bastardos Inglórios”).
Os Nibelungos (Fritz Lang, 1924)
Dividido em dois filmes – “A Morte de Siegfried” e “A Vingança de Kriemhild” – e baseado na famosa lenda nórdica, é uma superprodução de quase cinco horas, com cenários embasbacantes e algumas das sequências mais lindas do cinema germânico dos anos 1920.
Fausto (F.W. Murnau, 1926)
Muitos cineastas deram suas versões para a lenda alemã de Fausto, o homem que faz um pacto com o diabo, mas nenhuma chega perto da versão de Murnau, com Emil Jannings (ele de novo!) no papel de Mephisto, o demônio que tenta corromper a alma do alquimista Fausto (Gösta Ekman).
Metropolis (Fritz Lang, 1927)
Nenhuma lista estaria completa sem a obra-prima distópica e futurista de Fritz Lang sobre uma sociedade controlada por poderosos e onde a patuleia vive nos subterrâneos. O estilo dos cenários é bem diferente das tortuosas casas de “Caligari”, com uma estética “clean” e metálica, mas a sensação de aprisionamento e violência é a mesma.
M – O Vampiro de Dusseldorf (Fritz Lang, 1931)
Único filme sonoro dessa lista e a última grande obra do Expressionismo alemão. Peter Lorre faz um atormentado assassino de crianças que provoca uma caçada humana sem precedentes em Dusseldorf. O final é uma das coisas mais arrepiantes que o cinema já produziu.
Bom feriadão a todos. O blog volta com um texto inédito na terça, dia 8.
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