No meio do show do One Republic - uma dessas bandinhas pop das quais a gente nem vai lembrar o nome daqui a alguns anos - o vocalista Ryan Tedder virou-se para a plateia de 85 mil pessoas do Rock in Rio e começou a elogiar as outras bandas da noite: "E vocês, estão empolgados para ver o Queen? Eu Estou!" O público aplaudiu muito. "E que tal nosso amigos da Irlanda, o The Script? Demais, não?" Mais aplausos. De repente, Tedder fez o sinal do demo, levantou os braços e gritou: "E amanhã tem... Metalicaaaaaaa!!!". O povo delirou.
Foi um momento revelador desse Rock in Rio. Sem querer, Tedder - um pistoleiro de aluguel do pop que compõe hits chiclezentos para Madonna, Adele, Kelly Clarkson e Beyoncé - mostrou que não existe lá muita diferença entre as plateias de One Direction, The Script e Metallica. Tá tudo dominado. Virou tudo pop.
Essa mesmice é o objetivo de Roberto Medina e seu Rock in Rio. O empresário já disse várias vezes que o festival não é só de música, mas de "entretenimento", essa expressão ampla e meio indefinível que parece abarcar tudo que há de mais raso e medíocre na indústria dos grandes eventos - exibicionismo, culto aos Vips, beija-mão corporativo, desprezo absoluto pela inovação, ojeriza a qualquer tipo de polêmica, padronização de comportamentos e de perfis de público - o que resulta no Rock in Rio versão 2015, uma apoteose de selfies, filas e música ruim.
(E antes que alguém pergunte como um festival pode botar uma porcaria tão imensa quanto The Script para tocar pra 85 mil pessoas, vale lembrar que Queen, One Direction e The Script são da mesma agência, a CAA. Sabe a lógica do "Só leva Coca se levar Guaraná Taí? É a mesma).
Medina tem razão, o Rock in Rio não é um festival de música, é um parque de diversões com música no meio. Mesmo durante os shows, é impressionante o trânsito de pessoas andando em todas as direções. Os stands de patrocinadores tinham filas imensas. As pessoas faziam fila até para reciclar copos de plástico - e ganhar um brinde corporativo a cada dez copos reciclados, claro. Quem não quisesse ver os shows - e acredite, era muita gente - podia se divertir pulando de tirolesa, andando na roda-gigante ou tirando fotos com sósias de Freddie Mercury e Jimi Hendrix. Tinha até uma "Capela do Rock", onde são realizados dois casamentos por dia.
O triste é que o Rock in Rio não foi sempre assim. O festival teve seis edições, e as três primeiras - 1985, 1991 e 2001 - tiveram excelentes line-ups e não tinham essa aspecto de parque de diversões, que começaria em 2011. Quem pode esquecer o Rock in Rio de 2001, com R.E.M., Neil Young, Beck, Foo Fighters, Guns, Oasis, Red Hit Chili Peppers, Sting, Sheryl Crow e Queens of the Stone Age? Ou o de 1991, com Prince, Faith No More, Guns, INXS, Run DMC, George Michael, Happy Mondays, Santana, Joe Cocker e Judas Priest?
Outra diferença importante entre a primeira e segunda metades da trajetória do festival é como ele se tornou um programa de família, sem polêmicas e situações que fogem do controle. Em 1985, os metaleiros escorraçaram Erasmo Carlos; em 1991, Lobão saiu do palco sob uma chuva de lama, Prince deu piti no aeroporto e Axl Rose jogou uma televisão da janela do hotel; em 2001,cinco bandas brasileiras, incluindo Rappa, Jota Quest e Skank, boicotaram o festival, alegando favorecimento às bandas gringas, Nick Olivieri, do Queens of the Stone Age, foi preso ao entrar pelado no palco, Cássia Eller mostrou os peitos e Carlinhos Brown foi recebido por uma histórica chuva de garrafas plásticas. It's only rock and roll, and I like it...
Desde 2011, nesse formato Las Vegas-Disneylândia-Discovery Kids, o que houve de polêmico ou fora do script? Absolutamente nada.Uma pasmaceira só. O Rock in Rio virou um shopping ao ar livre, onde tudo é controladinho e não há o menor risco de nada sair do roteiro organizado por Medina.
SEXTA: APOTEOSE DOS COVERS
E os shows?
Difícil dizer. Para os jornalistas, que precisam voltar à sala de imprensa de tempos em tempos para enviar atualizações de notícias, é virtualmente impossível ver os shows perto do palco. No Queen, consegui chegar a uns 100 metros, e acabei assistindo pelo telão do palco, o que prova que, nesses megafestivais, é muito mais prático e justo - com artista e leitor - avaliar um show pela TV do que a duas léguas de distância do palco (não estou falando de fazer a cobertura do evento todo, claro, apenas do que acontece em cima do palco).
Os únicos shows que consegui ver inteiros foram os que cobri para a "Folha" - Rock in Rio 30 Anos e Queen + Adam Lambert.
Sobre o primeiro (leia o texto aqui), a única coisa que me veio à cabeça ao ver Frejat cantando "Pro Dia Nascer Feliz" pela trilionésima vez foi imaginar como seria a agenda pessoal do cantor:
Terça-feira: escovar os dentes, levar os filhos na escola, cantar 'Pro Dia Nascer Feliz', ir ao dentista...
Quarta-feira: natação de manhã, cantar 'Pro Dia Nascer Feliz', levar cachorro no veterinário...
Sobre o Queen, reitero tudo que escrevi na "Folha" (leia aqui): foi um bom show de uma banda cover do Queen.
SÁBADO: SÓ O METAL SALVA
Como sempre acontece, o dia do metal e hard rock foi dos mais animados.
Os trabalhos já começaram de forma sensacional, com a banda paulista Noturnall. Se não viu, sugiro procurar uma gravação. Foi uma apoteose de todos os clichês e exageros do gênero, mas com uma sinceridade comovente. No meio do show, falei com um amigo, velho metaleiro de carteirinha, e combinamos nunca mais perder um show da banda.
O Noturnall não tem a estrutura de produção de um Kiss ou de um Motley Crüe, mas fez de TUDO para entregar um show memorável: trouxe um batalhão de meninas zumbis de shortinho fazendo pole dance e um boneco que parecia uma versão gabiru do Eddie, do Iron Maiden. O tecladista tocava um Ipad e fez o primeiro "Air Ipad" da história da música, enquanto o baterista inovou com uma bateria de TRÊS bumbos, o que levou muita gente a se perguntar quantas pernas tinha o rapaz.
Mas o melhor foi o cantor anunciando um convidado especial: "E agora com vocês... minha mãe, Maria Odete!" Só esqueceu de dizer é que era "a" Maria Odete dos festivais de música brasileira dos anos 60. Ela subiu no palco e arrebentou com uma versão hard rock de "Woman in Chains", do Tears for Fears.
![noturnall noturnall Metal e Baby/Pepeu reinaram no Rock in Rio dos selfies]()
O público também foi um show, saudando o convidado do Noturnall, o cantor Michael Kiske, ex-Helloween, com gritos de "Olê, olê, olê, olê... Kiskêêêê... Kiskêêêê...". É por isso que eu amo metal.
Logo depois veio o Angra, que não é a minha praia, mas fez um show divertido. Também, com a presença de Dee Snider (Twisted Sister) cantando "We're Not Gonna Take It", até show do Criolo no SESC fica divertido.
As coisas ficaram bem mais sérias e pesadas com o Ministry, que detonou (leia minha critica na "Folha" aqui).
E aqui, uma bela entrevista com Tio Al:
Depois do Ministry, tive de correr à sala de imprensa para escrever e perdi Gojira e Korn. Mas quem viu o Korn disse que foi um show muito intenso e lotado. De fato, não dá para entender porque o Gojira toca no palco principal, e o Korn no secundário. Ou melhor, até dá, se lembrarmos que o Gojira já abriu vários shows do Metallica...
Fiquei bem surpreso com o Royal Blood, um duo de baixo e bateria inglês que só tem um disco e lembra uma versão mais "metal" do Black Keys. Só vi alguns pedaços - estava correndo atrás de outra matéria - mas o que vi me agradou demais.
E o Motley Crüe?
Bom, aquilo não dá pra levar muito a sério mesmo. Nem os próprios integrantes levam. Mas o repertório é muito legal, e ver Vince Neil quase tendo um AVC de tanto correr foi engraçado demais. Pra melhorar, vi boa parte do show ao lado de uma dupla de quarentões de bandana do Motley e jaquetas jeans com mangas cortadas e cheias de bottons, que pareciam uma versão adulta de Beavis e Butthead. Nunca ri tanto. Os comentários iam de "Qual você acha mais gostosa, a loura ou a morena?" a "P... que pariu! Isso que é rock de verdade, cacete!".
O encerramento foi, como sempre, com o Metallica (leia minha crítica aqui), e foi bem chato. Nunca vi a banda fazendo um show no piloto automático como esse. Estavam com a cabeça em outro lugar.
DOMINGO, O DIA DOS "NORMAIS"
O terceiro dia do Rock in Rio foi dedicado às famílias e pessoas normais (anormais somos nós, que gostamos de bandas indies islandesas e metal extremo; pessoas normais gostam de Elton, Rod Stewart e Paralamas).
Cheguei cedo pra ver Baby do Brasil e Pepeu Gomes, e valeu a pena. Foi o melhor show do dia. Os dois não tocavam juntos há 27 anos, e o reencontro foi carregado de emoção, com Pepeu e o filho do casal, o excelente guitarrista Pedro Baby, indo às lágrimas no palco.
Baby e Pepeu têm uma trajetória curiosa: nos anos 70 fizeram parte de um grupo muito influente, mas que não vendeu nada - Novos Baianos - e nos 80 gravaram algumas das melhores canções pop da década. Saudades de quando a música brasileira sabia produzir música acessível e de qualidade...
O repertório foi sensacional: "Telúrica", "Mil e Uma Noites de Amor", "Menino do Rio", "Todo Dia Era Dia de Índio" e "Masculino/Feminino", além de duas pérolas dos Novos Baianos, "A Menina Dança" e "Tinindo Trincando". Fora os duelos de guitarra entre Pepeu pai e Pepeu filho. Showzão.
Logo depois entrou o Magic!. A exemplo do One Republic, que é liderado por um compositor bastante requisitado no mundo pop adolescente - Ryan Tedder - o Magic! é um projeto de outro freelancer do pop, Nasri, um canadense que escreveu canções para Justin Bieber, Christina Aguilera, Shakira e outras tranqueiras, além de ter colaborado com a volta do New Kids on the Block. Obrigado, Nasri.
Cansado de ver outros brilharem nos palcos, Nasri percebeu uma lacuna no mercado - não havia nenhuma banda de reggae-pop chinfrim überproduzida que apelasse a meninas de 13 anos - e montou o Magic!, que lembra um grupo de estudantes argentinos invadindo Floripa, todos de regata velha com suvaco de fora, pulseiras de tecido e colares de miçangas.
Nasri é a lata do Marcos Pasquim e tinha no braço uma tatuagem de henna bem radical, escrito "Brasil". O som é um popzinho diluído e anêmico que faz o Cidade Negra parecer o Wailers. Mas as meninas de 13 anos adoraram, e cantaram junto os óbvios covers de Bob Marley e Police. É isso que importa, certo, Nasri?
Por causa das correrias e horários de fechamento, perdi Paralamas e Seal, mas tive o azar de ver John Legend, que foi pior que bater na mãe (leia aqui a crítica que fiz para a "Folha").
Vi também o ótimo show de Elton John (leia aqui), uma sucessão impressionante de clássicos do pop tocados por uma banda de primeira. E por sorte não precisei ficar para ver Rod Stewart.
P.S.: O blog volta com um texto inédito na quarta. Semana que vem tem mais Rock in Rio. Até lá.
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