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“Aliança do Crime” desperdiça uma grande história

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James "Whitey" Bulger é um dos personagens mais fascinantes da história criminal norte-americana.

De 1975 a 1994, "Whitey", um descendente de irlandeses, comandou o crime em Boston, dominando a venda de drogas, apostas, agiotagem, vendendo proteção a comerciantes e eliminando todos os inimigos e competidores, que acabavam invariavelmente enterrados num matagal embaixo de uma ponte da região.

Mas "Whitey" não fez isso sozinho. Como revelou o jornal "The Boston Globe"em uma série de reportagens publicadas em 1994, Bulger contou com um aliado valioso: o FBI.

John Connoly, um agente do FBI - e amigo de infância de Bulger - procurou o bandido em meados dos anos 70 com uma oferta que ele não podia recusar: Bulger revelaria segredos da poderosa máfia italiana que então controlava Boston, e o FBI, depois que prendesse seus líderes, deixaria Bulger em paz.

Foi o que aconteceu: Connoly virou herói ao prender o clã dos Patriarca, que há décadas dominava o crime na cidade, e seu amigo Bulger e sua gangue, a White Hill, viraram os poderosos chefões.

A história é incrível e foi contada em detalhes no ótimo documentário "Whitey", de Joe Berlinger, que está disponível no Netflix brasileiro (leia aqui um texto que fiz sobre o filme). Também inspirou o personagem de Jack Nicholson em "Os Infiltrados", de Martin Scorsese.

Acaba de sair uma versão ficcionalizada da história de Bulger, "Aliança do Crime" ("Black Mass"), dirigida por Scott Cooper ("Coração Louco") e com Johnny Depp no papel principal. Infelizmente, o filme é uma decepção.

Em vez de tratar a história do acordo entre Bulger e o FBI como um mistério - até hoje, Bulger jura que não era informante - o diretor Cooper optou por estabelecer essa aliança bem no início do filme, o que tira muito da surpresa da trama. No filme de Scorsese, por exemplo, o espectador passa o tempo todo se perguntando como o personagem de Nicholson consegue se safar de tantos problemas com a lei, até descobrir, no fim, que ele trabalha para o FBI. O resultado é surpreendente e impactante.

Já em "Aliança do Crime", não existe a surpresa. Pelo contrário: TODO MUNDO no escritório do FBI fala de Bulger como um "parceiro", o assunto é comentado em voz alta e na presença de todos os funcionários. É impossível acreditar que os rivais de Bulger - e seus comparsas - também não soubessem.

O que resta é um filme de gângster comum - sangue, traições, brutalidade - mas sem nenhum embate moral ou tensão psicológica.

É difícil imaginar o que passou pela cabeça de Bulger ao decidir colaborar com a lei, mas esse conflito é resolvido, no filme, em um minuto, como se fosse coisa pouca.

"Aliança do Crime" é uma grande história que não mereceu um filme à altura.

Bom fim de semana a todos.

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Morte e mistério no fim do mundo

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Já tinha visto o filme listado no Netflix, mas não dei muita atenção até o leitor Rafael Salles recomendá-lo. Resolvi assistir, e agora não consigo parar de pensar nele (no filme, não no Rafael, claro): “O Caso Galápagos: Quando Satã Veio ao Paraíso”, de Daniel Geller e Dayna Goldfine, é um documentário tão bizarro que parece ficção. Se alguém escrevesse essa história como filme de mistério, muitos diriam que era exagerada e incredível.

Mas as provas estão lá: filmes, fotos, cartas e depoimentos de sobreviventes. É tudo verdade.

O documentário conta a história de diversos personagens que se reúnem no fim do mundo: as Ilhas Galápagos, um arquipélago de ilhas vulcânicas a 900 km da costa do Equador. Se Galápagos é isolado hoje, imagine em 1929, quando a história começa...

Naquele ano, Fredrich Ritter, um médico alemão niilista, fã de Nietzsche e com um parafuso a menos, decide abandonar a vida confortável e vazia que tinha na Alemanha – e a família - e partir, em companhia da amante, Dore, para o lugar mais isolado da Terra. Escolhe a ilha de Floreana, então completamente desabitada, e lá constrói uma casinha de madeira e bambu.

O casal vive em paz por um bom tempo, em companhia de cabritos e lagartos, até que a tranquilidade é quebrada pelo aparecimento de uma família alemã, os Wittmer. O “Éden” de Fredrich e Dore está ameaçado.

Mas as coisas degringolam mesmo com a chegada do personagem mais esquisito do filme, a Baronesa Eloise Von Wagner Bosquet, uma mulher completamente insana que sonha em construir um hotel de luxo naquele fim de mundo e divide a cama com dois serviçais, que a tratam como uma divindade. Ninguém sabe se ela é baronesa mesmo ou uma farsante.

A tensão entre os habitantes de Floreana cresce. Fredrich se desespera ao ver acabar o sonho de viver em completo isolamento. Sua mulher, Dore, tem ciúmes doentios da Baronesa, que seduz um milionário chefe de uma expedição etnográfica que chega a Floreana. O ricaço resolve fazer um filme sobre a Baronesa. Boa parte das imagens do documentário foram tiradas desse filme, “A Imperatriz de Floreana”.

A coisa não poderia acabar bem, e a paz na ilha termina de vez quando dois dos personagens somem misteriosamente. Teriam sido assassinados? Fugiram? O documentário vira uma trama policial, cheia de teorias de conspiração que duram até hoje (os diretores entrevistam moradores de Galápagos, que continuam a discutir os acontecimentos mais de 80 anos depois).

Enfim, um filme fascinante. Assista e diga se não parece mentira.

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Lama em Mariana, microcefalia no Nordeste: de quem é a culpa?

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lama Lama em Mariana, microcefalia no Nordeste: de quem é a culpa?
As duas grandes tragédias brasileiras de 2015 – excetuando o Congresso, que é uma fonte perene de tragédias – foram o rompimento da barragem em Mariana e o surto de microcefalia no Nordeste, que já atingiu 400 crianças em sete estados e ameaça se propagar pelo país todo.

Não vou tentar apontar culpados, por dois motivos: o primeiro é que não quero transformar este espaço em Fla x Flu ideológico/partidário, e qualquer discussão hoje em dia acaba virando um embate entre “petralhas” e “coxinhas”. E o segundo é que não acredito ser possível apontar com exatidão os responsáveis pelos casos, porque a culpa é generalizada.

No caso de Mariana, a empresa Samarco, que explorava as barragens, parece não ter cumprido uma série de exigências técnicas. Por outro lado, Minas Gerais tem apenas quatro fiscais para vistoriar 735 barragens, e o ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga, admitiu que cortes no orçamento limitaram os gastos com fiscalização a apenas 13,2% do total previsto para 2015.

De quem é a culpa? De quem não trabalhou direito ou de quem não fiscalizou? Dos órgãos fiscalizadores estaduais ou federais? Esses quatro técnicos mineiros têm capacidade técnica para avaliar os riscos de barragens? Por que só 34% das 735 barragens em Minas foram fiscalizadas em 2014? Por que o governo federal “contingenciou” (eufemismo para “cortou”) a verba para fiscalização?

O caso do surto de microcefalia é semelhante. Há fortes suspeitas de que tenha relação com o zika vírus, transmitido pelo mosquito da dengue. E todo mundo lembra a recente epidemia de dengue que atingiu cerca de um milhão de brasileiros este ano. De São Paulo ao Acre, poucos estados escaparam (só em SP morreram 170 pessoas). Mais da metade dos casos de bebês com microcefalia ocorreram em Pernambuco.

Ficam as perguntas: as campanhas de prevenção à dengue estão sendo realizadas de forma adequada? Temos fiscais em número adequado? Os hospitais estão preparados? O combate ao mosquito da dengue em Pernambuco foi satisfatório?

Aposto que não.

Pegue todas as tragédias recentes no país: os 242 mortos no incêndio da boate em Santa Maria em 2013, os mais de mil mortos nos deslizamentos de terra na região serrana do Rio em 2011, qualquer uma. Em todas, a “culpa” foi de um misto de irresponsabilidade, falta de fiscalização e ausência de controle público. Culpar um ou outro só esconde o verdadeiro problema, que é a fragilidade de nossos governos – em todos os níveis - e órgãos reguladores e fiscalizadores.

Trabalhei por quase dez anos no setor de produção de eventos e casas noturnas e tive de lidar com toda a burocracia estatal que isso envolve, incluindo emissão de alvarás, licenças de funcionamentos, autos e vistorias de bombeiros, polícia, departamento de trânsito e órgãos de fiscalização trabalhista.

Minha conclusão: no Brasil, as leis foram criadas para serem inexequíveis e jogar todo mundo na ilegalidade. Quem diz que a burocracia brasileira é desorganizada não sabe de nada. Nossa burocracia é uma máquina perfeita e azeitada, que garante que nada funcione sem despachantes, corrupção e trocas de favores.

Alguém acha, por exemplo, que o Ministério do Meio Ambiente não sabe que o Ibama, principal órgão de vigilância ambiental do país, tem TRÊS barcos para fiscalizar 7300 km de litoral? Claro que sabe. Mas o Ibama, assim como a grande maioria de nossos órgãos públicos de fiscalização, é propositalmente sabotado para não conseguir cumprir suas funções, o que gera uma rede imensa de ilegalidade, que só favorece a fiscais corruptos e empresas que conseguem driblar as regras.

No dia em que as regras forem claras, os alvarás, expedidos com rapidez e transparência, e a fiscalização, contínua e eficiente, o ciclo de corrupção acaba. É mais fácil o litoral do Espírito Santo virar um mar de lama do que isso acontecer.

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Quatro notas musicais que mudaram o mundo

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Tam-tam-tam-taaaaaaammm…

Ninguém precisa ser fã de música clássica para conhecer o que é, provavelmente, a mais famosa abertura musical já composta: as quatro primeiras notas da Quinta Sinfonia de Beethoven. O que poucos sabem é que a Quinta não começa com uma nota, mas com uma pausa.

Desde 22 de dezembro de 1808, quando a sinfonia foi apresentada pela primeira vez, em Viena, a inspiração de Beethoven é motivo de discussões acaloradas entre musicólogos e historiadores. Alguns acham que o compositor se inspirou em poesia grega para criar a abertura. Outros têm certeza que ele usou como base a “Marselhesa”, que adorava. Anton Schindler, amigo e biógrafo de Beethoven – e malhado por especialistas por supostamente inventar “causos” e cascatas sobre o gênio alemão - diz que a ideia veio do canto de um pássaro, o verdilhão. Ouça:

Acabo de ler um livro sensacional e ainda inédito no Brasil: “The First Four Notes – Beethoven’s Fifth and the Human Imagination” (“As Quatro Primeiras Notas – A Quinta de Beethoven e a Imaginação Humana”), do norte-americano Matthew Guerrieri, uma espécie de ensaio sobre a origem e legado da sinfonia e o significado que ela tomou para o mundo nesses últimos 200 anos. Ou melhor, os significados, já que as interpretações são muitas.

firstfournotes Quatro notas musicais que mudaram o mundoGuerrieri começa tentando estabelecer como Beethoven criou a famosa abertura das quatro notas – três curtas, seguida por uma longa. A origem pode estar na Antiguidade, em poemas gregos que utilizavam uma estrutura semelhante chamada quartus paeon. Muitos diziam – e Schindler diz que o próprio Beethoven confirmou – que as quatro notas denotavam o “destino batendo à porta”.

A partir daí, Guerrieri atira para todos os lados e mostra como a Quinta se tornou tão famosa e admirada que adquiriu incontáveis interpretações. Tanto que, na Segunda Guerra, foi usada como tema pelos nazistas e pelos Aliados. O livro descreve como Wagner, Liszt, Schopenhauer, Adorno, Shostakovich, Karl Marx e até Malcolm X reagiram à sinfonia (em 1963, Malcolm X disse que “Beethoven era negro” e Martin Luther King usava o quartus paeon como base de muitos de seus discursos mais famosos).

O livro chega à música pop, à discoteca e ao heavy metal, e mostra como a sinfonia inspirou músicos como o guitarrista sueco Yngwie Malmsteem e o rapper norte-americano Kanye West. Outro caso curioso é do uso do padrão curto-curto-curto-longo para representar a letra “v” (de “vitória”) no código Morse, o que fez da Quinta a trilha sonora da vitória dos Aliados na Segunda Guerra.

Espero que alguém lance o livro no Brasil. É um trabalho muito interessante que consegue ser erudito sem ser chato ou professoral.

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Prisão de senador é colírio para os olhos

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delcidio Prisão de senador é colírio para os olhosNunca achei que iria viver para ver isso: um senador ser preso no Brasil.

Mas Delcídio Amaral (PT-MS) foi em cana na manhã de quarta-feira. A acusação: tentar atrapalhar as investigações da Operação Lava Jato.

Segundo a imprensa, Delcídio teria oferecido possibilidade de fuga a Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras, para que ele não assinasse um acordo de delação premiada. Delcídio teria procurado Bernardo Cerveró, filho de Nestor, e oferecido a possibilidade de fuga ao ex-diretor da estatal. O plano envolveria uma viagem de avião ao Paraguai e, de lá, exílio na Espanha, já que Cerveró tem nacionalidade espanhola.

Bernardo teria gravado toda a conversa. Segundo relatos, Delcídio citou nomes de de ministros do STF que, segundo ele, estariam dispostos a votar pela soltura dos investigados da Lava Jato que estavam presos em Curitiba.

OUÇA AQUI A ÍNTEGRA DA CONVERSA GRAVADA.

Um dos delatores da Operação Lava Jato, Fernando Baiano, disse que o senador teria recebido 1,5 milhão de dólares na operação da compra da refinaria de Pasadena.

É a primeira vez que um senador é preso no exercício do cargo no Brasil. Senadores têm foro privilegiado e, de acordo com a Constituição, só podem ser presos se cometerem delitos em flagrante. O Supremo Tribunal Federal (STF) precisou autorizar a prisão de Delcídio.

Claro que ele pode ser solto por seus pares (a Constituição diz que o Senado precisa aprovar a prisão - felizmente, em sessão com voto aberto), mas o simples fato de ter sido preso merece aplausos e comemorações. Todo apoio à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal. Que Delcídio seja o primeiro de muitos.

Independentemente de partidos, é preciso mostrar que, apesar das leis ridículas que protegem políticos e os dão abrigo em “julgamentos” pré-arranjados por seus pares (a CPI do Petrolão não achou nenhum indício de irregularidades), ninguém está – ou deveria estar, ao menos - livre das consequências.

A prisão de Delcídio Amaral foi uma notícia espetacular. A última vez que chorei lendo uma notícia das páginas político-policiais foi há dez anos, quando Paulo Maluf foi em cana. Aquilo não deu em nada, e hoje Maluf está livre, leve e solto. Torço para que o mesmo não ocorra dessa vez.

Ficarei ligado no noticiário o dia todo para ver a reação de Brasília, do governo e da oposição.

P.S.: Devido à importância da notícia da prisão do senador, publiquei dois textos hoje – este e o do livro sobre Beethoven. O blog volta com um texto inédito na sexta.

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Pare tudo que estiver fazendo e ouça isso!

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delcidio1 Pare tudo que estiver fazendo e ouça isso!Pare tudo que você estiver fazendo e gaste 95 minutos de sua vida para ouvir ESTA gravação, conseguida por Fausto Macedo, do “Estadão”.

E AQUI, a transcrição da conversa, na íntegra, cortesia do site JOTA.

É a íntegra do encontro entre o senador Delcídio Amaral, Bernardo Cerveró, filho do ex-gerente da Petrobras, Nestor Cerveró, o advogado Edson Ribeiro e o chefe de Gabinete de Delcídio, Diogo Ferreira.

O senador – citado pelo delator Fernando Baiano como recebedor de uma propina de 1,5 milhão de dólares pela compra da refinaria de Pasadena - sabe que Cerveró assinou um acordo de delação premiada com a Lava Jato e sugere um plano de fuga para o ex-diretor da Petrobras (e como Delcídio sabe? Quem vazou?).

A gravação deveria ser estudada em escolas e ouvida em reuniões familiares. É um documento indispensável para entender o país e a forma como as coisas são resolvidas por aqui.

A gravação arrasa com Romário, Eduardo Paes, põe em dúvida a lisura do STF e prova a tentativa de organizar um plano de fuga para Cerveró, que iria para o exílio na Espanha, via Paraguai, e receberia uma mesada de R$ 50 mil, além de um prêmio de 4 milhões de reais.

Watergate é fichinha.

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O arquivista da contracultura

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vale burroughs O arquivista da contraculturaAlgum milionário deveria chegar para meu amigo Fábio Massari e oferecer uma mesada só para ele ficar pensando em coisas legais. Pode ser livro, programa de rádio, qualquer coisa. O importante é que ele faça.

A última empreitada do Massari é o livro “Alguém Come Centopeias Gigantes?”, compilação de entrevistas feitas por V.Vale para o fanzine “Search and Destroy” e as publicações da editora RE/Search (na foto, Vale ao lado de William Burroughs).

A lista de entrevistados é embasbacante: Jello Biafra, The Clash, Patti Smith, The Cramps, Throbbing Gristle, Henry Rollins, Timothy Leary, autores como J.G. Ballard, Lawrence Ferlighetti e Burroughs e cineastas como John Waters, entre outros.

Os papos são absurdamente ricos e interessantes. Você abre o livro em qualquer página e dá de cara com uma opinião, uma história ou uma ideia que ampliam seus horizontes sobre assuntos diversos: música, arte, política, ativismo, drogas e a vida em geral. Entrevistados citam livros, filmes e pessoas que você não conhece, e seu primeiro impulso é buscar conhecê-los.

V. Vale é uma espécie de embaixador da contracultura californiana (um Massari de São Francisco?). No fim dos anos 70, esse norte-americano de família japonesa trabalhava na livraria City Lights, do poeta beat Lawrence Ferlighetti, quando Ferlighetti e Allen Ginsberg doaram 100 dólares cada para que Vale fizesse um fanzine. O “Search and Destroy” começou cobrindo a rica cena punk de São Francisco, mas logo expandiu seus interesses para a literatura, o cinema e a política.

centopeias 208x300 O arquivista da contraculturaVárias entrevistas foram realizadas antes de os personagens ficarem famosos na cena pop. É muito legal ler o papo com o Devo, gravado em 1977, com a explicação da banda para seu conceito de “de-evolução”.

Já a entrevista com os Cramps, publicada originalmente no livro “Incredibly Strange Music”, é antológica. Lux e Ivy falam das raridades de sua coleção de discos. Vale, outro nerd obcecado por música esquisita, se empolga com o conhecimento enciclopédico da dupla, e o papo rende diálogos como:

Vale – Charlie Feathers deve ter um alcance de quatro oitavas, como Yma Sumasc...

Poison Ivy – E alcance emocional também. Quando ele canta “In the Pines” parece que pode ter esqueletos no armário e embaixo de seu trailer.

Lux Interior – Você já ouviu “Scream”, de Ralph Nielsen and the Chancellors?

Poison Ivy – Parece um disco snuff! Eles estão saindo impunes de um assassinato – assassinato musical.

Não é todo dia que se pode achar um volume onde Jello Biafra fala de punk, Timothy Leary comenta os “acid tests”, J.G. Ballard explica a diferença entre escrever ficção e ficção-científica, Henry Rollins baba por Mark Twain e William Burroughs dá uma de suas últimas entrevistas, cinco meses antes de morrer.

Bom fim de semana a todos.

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100 maiores filmes brasileiros de todos os tempos

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A Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) divulgou o resultado de uma enquete feita com 100 críticos e jornalistas especializados para escolher os 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos.

Cada votante foi orientado a escolher 25 filmes e listá-los por ordem de preferência. Aqui, o resultado da enquete, que escolheu “Limite” (1931), de Mario Peixoto, como o maior filme já feito no país.

E abaixo, minha lista pessoal.

Reclamações? Xingamentos? Elogios? Mande aí a sua lita...

RANKING DA ABRACCINE

1. Limite (1931), de Mario Peixoto
2. Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha
3. Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos
4. Cabra Marcado para Morrer (1984), de Eduardo Coutinho
5. Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha
6. O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla
7. São Paulo S/A (1965), de Luís Sérgio Person
8. Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles
9. O Pagador de Promessas (1962), de Anselmo Duarte
10. Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade
11. Central do Brasil (1998), de Walter Salles
12. Pixote, a Lei do Mais Fraco (1981), de Hector Babenco
13. Ilha das Flores (1989), de Jorge Furtado
14. Eles Não Usam Black-Tie (1981), de Leon Hirszman
15. O Som ao Redor (2012), de Kleber Mendonça Filho
16. Lavoura Arcaica (2001), de Luiz Fernando Carvalho
17. Jogo de Cena (2007), de Eduardo Coutinho
18. Bye Bye, Brasil (1979), de Carlos Diegues
19. Assalto ao Trem Pagador (1962), de Roberto Farias
20. São Bernardo (1974), de Leon Hirszman
21. Iracema, uma Transa Amazônica (1975), de Jorge Bodansky e Orlando Senna
22. Noite Vazia (1964), de Walter Hugo Khouri
23. Os Fuzis (1964), de Ruy Guerra
24. Ganga Bruta (1933), de Humberto Mauro
25. Bang Bang (1971), de Andrea Tonacci
26. A Hora e a Vez de Augusto Matraga (1968), de Roberto Santos
27. Rio, 40 Graus (1955), de Nelson Pereira dos Santos
28. Edifício Master (2002), de Eduardo Coutinho
29. Memórias do Cárcere (1984), de Nelson Pereira dos Santos
30. Tropa de Elite (2007), de José Padilha
31. O Padre e a Moça (1965), de Joaquim Pedro de Andrade
32. Serras da Desordem (2006), de Andrea Tonacci
33. Santiago (2007), de João Moreira Salles
34. O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969), de Glauber Rocha
35. Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro (2010), de José Padilha
36. O Invasor (2002), de Beto Brant
37. Todas as Mulheres do Mundo (1967), de Domingos Oliveira
38. Matou a Família e Foi ao Cinema (1969), de Julio Bressane
39. Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), de Bruno Barreto
40. Os Cafajestes (1962), de Ruy Guerra
41. O Homem do Sputnik (1959), de Carlos Manga
42. A Hora da Estrela (1985), de Suzana Amaral
43. Sem Essa Aranha (1970), de Rogério Sganzerla
44. SuperOutro (1989), de Edgard Navarro
45. Filme Demência (1986), de Carlos Reichenbach
46. À Meia-Noite Levarei Sua Alma (1964), de José Mojica Marins
47. Terra Estrangeira (1996), de Walter Salles e Daniela Thomas
48. A Mulher de Todos (1969), de Rogério Sganzerla
49. Rio, Zona Norte (1957), de Nelson Pereira dos Santos
50. Alma Corsária (1993), de Carlos Reichenbach
51. A Margem (1967), de Ozualdo Candeias
52. Toda Nudez Será Castigada (1973), de Arnaldo Jabor
53. Madame Satã (2000), de Karim Ainouz
54. A Falecida (1965), de Leon Hirzman
55. O Despertar da Besta – Ritual dos Sádicos (1969), de José Mojica Marins
56. Tudo Bem (1978), de Arnaldo Jabor (1978)
57. A Idade da Terra (1980), de Glauber Rocha
58. Abril Despedaçado (2001), de Walter Salles
59. O Grande Momento (1958), de Roberto Santos
60. O Lobo Atrás da Porta (2014), de Fernando Coimbra
61. O Beijo da Mulher-Aranha (1985), de Hector Babenco
62. O Homem que Virou Suco (1980), de João Batista de Andrade
63. O Auto da Compadecida (1999), de Guel Arraes
64. O Cangaceiro (1953), de Lima Barreto
65. A Lira do Delírio (1978), de Walter Lima Junior
66. O Caso dos Irmãos Naves (1967), de Luís Sérgio Person
67. Ônibus 174 (2002), de José Padilha
68. O Anjo Nasceu (1969), de Julio Bressane
69. Meu Nome é... Tonho (1969), de Ozualdo Candeias
70. O Céu de Suely (2006), de Karim Ainouz
71. Que Horas Ela Volta? (2015), de Anna Muylaert
72. Bicho de Sete Cabeças (2001), de Laís Bondanzky
73. Tatuagem (2013), de Hilton Lacerda
74. Estômago (2010), de Marcos Jorge
75. Cinema, Aspirinas e Urubus (2005), de Marcelo Gomes
76. Baile Perfumado (1997), de Paulo Caldas e Lírio Ferreira
77. Pra Frente, Brasil (1982), de Roberto Farias
78. Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia (1976), de Hector Babenco
79. O Viajante (1999), de Paulo Cezar Saraceni
80. Anjos do Arrabalde (1987), de Carlos Reichenbach
81. Mar de Rosas (1977), de Ana Carolina
82. O País de São Saruê (1971), de Vladimir Carvalho
83. A Marvada Carne (1985), de André Klotzel
84. Sargento Getúlio (1983), de Hermano Penna
85. Inocência (1983), de Walter Lima Jr.
86. Amarelo Manga (2002), de Cláudio Assis
87. Os Saltimbancos Trapalhões (1981), de J.B. Tanko
88. Di (1977), de Glauber Rocha
89. Os Inconfidentes (1972), de Joaquim Pedro de Andrade
90. Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1966), de José Mojica Marins
91. Cabaret Mineiro (1980), de Carlos Alberto Prates Correia
92. Chuvas de Verão (1977), de Carlos Diegues
93. Dois Córregos (1999), de Carlos Reichenbach
94. Aruanda (1960), de Linduarte Noronha
95. Carandiru (2003), de Hector Babenco
96. Blá Blá Blá (1968), de Andrea Tonacci
97. O Signo do Caos (2003), de Rogério Sganzerla
98. O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006), de Cao Hamburger
99. Meteorango Kid, Herói Intergalactico (1969), de Andre Luis Oliveira
100. Guerra Conjugal (1975), de Joaquim Pedro de Andrade (*)
101. Bar Esperança, o Último que Fecha (1983), de Hugo Carvana (*)
(*) Empatados na última colocação, com o mesmo número de pontos.

MINHA LISTA

1. Ritual dos Sádicos (O Despertar da Besta) (1968), de José Mojica Marins
2. O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla
3. À Meia-Noite Levarei Tua Alma (1964), de José Mojica Marins
4. O Pagador de Promessas (1964), de Anselmo Duarte
5. São Paulo S.A. (1965), de Luís Sérgio Person
6. A Margem (1967), de Ozualdo Candeias
7. Limite (1931), de Mario Peixoto
8. Noite Vazia (1964), de Walter Hugo Khoury
9. Os Fuzis (1964), de Ruy Guerra
10. Cabra Marcado Para Morrer (1984), de Eduardo Coutinho
11. Bang Bang (1971), de Andrea Tonacci
12. A Falecida (1965), de Leon Hirszman
13. Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles
14. A Casa Assassinada (1971), de Paulo Cesar Saraceni
15. Sargento Getúlio (1983), de Hermano Penna
16. Raul – O Início, o Fim e o Meio (2012), de Walter Carvalho
17. Santiago (2007), de João Moreira Salles
18. Pixote – A Lei do Mais Fraco (1980), de Hector Babenco
19. Nelson Freire (2003), de João Moreira Salles
20. Os Cafajestes (1962), de Ruy Guerra
21. A Festa da Menina Morta (2008), de Matheus Nachtergaele
22. Estamira (2004), de Marcos Prado
23. O Homem Que Virou Suco (1981), de João Batista de Andrade
24. Matou a Família e Foi ao Cinema (1969), de Julio Bressane
25. Brasa Dormida (1928), de Humberto Mauro

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Encaixotando os Mutantes

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Os Mutantes Encaixotando os MutantesHá pouco mais de um mês, fiz um texto para a "Folha" sobre um lançamento antológico da Polysom: uma caixa com os sete primeiros discos dos Mutantes em vinil.

Fiquei surpreso com a pouca repercussão do lançamento do box. Por isso, republico o texto aqui:

Nesses tempos de serviços de streaming e música a preço de banana, sugerir que alguém desembolse R$ 800 numa caixa com sete discos parece uma insanidade.

Mas se existe um investimento musical que vale a pena, é o box "Os Mutantes", uma caixa com os sete primeiros discos da banda de Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, em versões em vinil de 180 gramas.

Os LPs são "Os Mutantes" (1968), "Mutantes" (1969), "A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado" (1970), "Jardim Elétrico" (1971) e "Mutantes e Seus Cometas no País dos Baurets" (1971), além de "Tecnicolor", LP de versões em inglês gravado na França em 1970 e lançado oficialmente em 1999, e a coletânea "Mande um Abraço pra Velha" (2014), que reúne participações dos Mutantes em discos de outros artistas.

osMutantes Encaixotando os Mutantes

Os quatro primeiros LPs são verdadeiras obras-primas, possivelmente a mais impressionante tetralogia lançada por um artista pop brasileiro, rivalizando apenas com os trabalhos que Jorge Ben fez entre 1972 e 1976 ("Ben", "A Tábua de Esmeralda", "Solta o Pavão" e "África Brasil") e que Raul Seixas lançou entre 1973 e 1976 ("Krig-ha, Bandolo!", "Gita", "Novo Aeon" e "Há Dez Mil Anos Atrás").

Os quatro LPs tiveram a participação do maestro Rogério Duprat (1932-2006), seja como produtor ou arranjador. Duprat foi um dos grandes responsáveis pela Tropicália e guiou Os Mutantes numa direção de liberdade criativa e experimentação. Isso fica evidente pelo ecletismo dos discos, que juntam rock, psicodelia, música brasileira e experimentalismos de vanguarda.

Os LPs saíram pela Polydor, braço da multinacional Philips, então chefiada por André Midani. É notável perceber como uma empresa imensa daquelas não tinha hesitação em investir em trabalhos tão "estranhos" e transgressores.

É impossível imaginar que alguma grande gravadora, anos depois, poria dinheiro num disco pop que juntava músicas como a balada "ambient" "O Relógio" e o forró "Adeus Maria Fulô", de Humberto Teixeira e Sivuca.

O segundo disco, "Mutantes", é ainda mais experimental, misturando a inclassificável "Dom Quixote", a lisérgica "Dia 36" e a balada de viola caipira "2001". Tirando "Não Vá se Perder por Aí", o LP não tem nenhuma música que remotamente pareça ter sido feita para tocar no rádio.

Os discos seguintes se aproximam mais do pop, com músicas um pouco mais acessíveis e comerciais, mas nem por isso menos interessantes e geniais. "A Divina Comédia" traz "Ando Meio Desligado", "Meu Refrigerador Não Funciona" e "Quem Tem Medo de Brincar de Amor", enquanto "Jardim Elétrico" tem "Top Top", "Tecnicolor" e "El Justiciero" (com o começo claramente inspirado em "Juanita Banana", que o grupo norte-americano The Peels lançara em 1966).

"Baurets" foi o último disco gravado pela formação clássica da banda e é marcado pelo rock ("Dune Buggy", "A Hora e a Vez do Cabelo Nascer" e "Posso Perder Minha Mulher, Minha Mãe, Desde que eu Tenha o Rock and Roll"). Uma sequência de discos que orgulharia qualquer banda em qualquer tempo e de qualquer lugar do mundo.

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Yoga agora é opressão

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yogajoe Yoga agora é opressãoA última vítima da correção política, acredite, é a yoga.

Um curso gratuito de yoga na Universidade de Ottawa, no Canadá, foi suspenso depois que a associação de alunos reclamou que representava uma “apropriação cultural” indevida (leia aqui, em inglês, a matéria do jornal britânico “The Independent”).

A associação de alunos escreveu: “Mesmo que a yoga seja uma grande ideia e acessível a todos os alunos, existem questões culturais implicadas na prática. Há muitas controvérsias envolvendo a prática de yoga e a questão das culturas de onde essas práticas estão sendo ‘tiradas’ (...) Muitas dessas culturas têm experimentado opressão, genocídio cultural e diásporas devido ao colonialismo e à supremacia ocidental (...) precisamos estar atentos a isso e saber nos expressar enquanto praticamos yoga”.

A coitada da professora, que não recebia nada pelas aulas, ainda tentou uma saída, sugerindo mudar o nome da aula para “alongamento consciente”, mas não teve jeito: a tropa da correção política venceu a parada, e o curso foi cancelado.

Como só sabemos copiar o que o “Primeiro Mundo” tem de pior, daqui a pouco a yoga também será banida por aqui, junto com o jazz, o blues e o consumo da mandioca (o quê? Fritar mandioca sem pedir licença aos índios?).

Estamos chegando lá. Como bem mostrou meu amigo André Forastieri, já atingimos o ponto em que bibliotecas públicas brasileiras têm apoio de prefeituras para promover debates em que qualquer um possa participar, desde que não seja branco, homem e heterossexual (se duvida, leia aqui).

Outro caso envolvendo os supostos malefícios da tal “apropriação cultural” foi a carta que os diretores do documentário “Cidade de Deus – Dez Anos Depois” enviaram à “Folha” reclamando de uma crítica do jornal. Na carta, eles dizem, basicamente, que só pessoas de uma certa classe social poderiam escrever ou opinar sobre outras da mesma classe social (leia aqui). Palavras deles: “Propomos ao crítico que saia de seu mundinho – vire pobre, negro, ator – e encare um leão por dia nessa selva que é o mercado artístico”. Usando a mesma lógica, isso quer dizer que um crítico que venha de classe social desfavorecida só pode escrever sobre filmes que falem de pobreza ou problemas sociais. Entendi direito?

O artigo do “The Independent” cita outros casos escabrosos de perseguição politicamente correta em universidades inglesas e norte-americanas, incluindo um debate sobre aborto sendo cancelado porque os debatedores eram dois homens e o caso de uma professora que foi forçada a pedir demissão depois que alunos criticaram um e-mail em que ela sugeria que os alunos não se sentissem ofendidos por fantasias de Halloween “culturalmente insensíveis”.

Como diria o grande Silvio Britto, pare o mundo que eu quero descer.

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Apertem os cintos, o Estado sumiu!

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dilma cunha renan Apertem os cintos, o Estado sumiu!Um amigo norte-americano passou alguns dias aqui em casa, e tentamos explicar a ele o que estava acontecendo na política brasileira. Tenho certeza que ele foi embora sem entender nada.

Como explicar a situação? Grande parte do governo em cana ou em vias de ir em cana; Câmara e Senado chefiados por personagens sombrios e que em breve devem perder os cargos e a liberdade; um tribunal de contas chefiado por um Ministro cujo filho é investigado na Lava Jato; um senador, líder do Governo no Senado, preso por tramar a fuga de um delator e insinuar ter Ministros do Supremo no bolso; um governo que aprova contas com um rombo de mais de 100 bilhões de reais.

Eduardo Cunha vingou-se do PT abrindo o processo de impeachment contra Dilma. Dilma, cada vez mais irrelevante, foi à TV e, num discurso ridículo, posou de vítima. Diz não ter cometido nenhuma ilegalidade, ignorando o fato de que suas bilionárias pedaladas fiscais foram rejeitadas unanimemente pelo TCU.

Enquanto isso, o país está em caos: inflação galopante, PIB caindo, desemprego perto de 10%, indústrias paradas, comércio em crise, demissões em massa. O mundo todo cresce e nós encolhemos.

O PT claramente sacrificou Dilma para tentar salvar Lula. Preferiu arriscar-se a ver Dilma impedida a continuar na mão de Cunha. Três anos disso resultariam em um PT ainda mais esfacelado em 2018. Melhor encarar o impeachment, pensou o partido, e tentar emplacar Lula na próxima eleição. Isso é, se Lula não acabar preso também, o que é um cenário cada vez mais real.

Tenho 47 anos e não lembro ter visto um cenário político tão convulsionado na era pós-ditadura. Nem na época do impeachment de Collor. Falei com uma amiga, veterana repórter de política em Brasília, e ela disse: "Nunca vi nada igual. E quem disser que sabe o que vai acontecer, está mentindo".

O que eu sei é que as coisas não poderiam continuar da maneira que estão. Com Dilma, Renan e Cunha, o país fica refém de um jogo de interesses abjeto, em que temas importantes são decididos por interesses partidários e aniquilam qualquer chance de recuperação econômica.

Somos governados por um bando de irresponsáveis que não têm o menor escrúpulo em destruir o país se isso lhes beneficiar de alguma forma. Não estou dizendo que seria melhor com fulano ou beltrano, só que, desse jeito, não pode mais ficar.

Talvez esse cataclisma político de hoje seja o começo de uma mudança. Só resta saber se vamos sobreviver até lá.

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O “pai” de Tarantino e John Woo

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melville pose caio O pai de Tarantino e John WooEscrevi esses dias sobre a caixa com sete vinis dos Mutantes, que custa 800 mangos, e muita gente reclamou que o preço era salgado demais. E é mesmo.

Para compensar, aqui vai uma dica bem mais em conta: paguei R$ 69,90 na caixa “A Arte de Jean-Pierre Melville”, com dois DVDs contendo três longas do cineasta francês e um documentário sobre sua obra. Vale cada centavo.

Melville (1917-1973) é mais conhecido pelo filme "O Samurai" (1967), com Alain Delon, um policial existencialista sobre um assassino de aluguel perseguido tanto pela lei quanto pelos empregadores mafiosos.
Apesar de ter influenciado os principais nomes da Nouvelle Vague (Godard era fã e o escalou para um papel em "Acossado"), Melville nunca foi tão famoso quanto a linha de frente do cinema francês pós-1960 – Godard, Truffaut, Rohmer, Malle, etc.

Obcecado por literatura “pulp” detetivesca e filmes “noir”, Melville - cujo sobrenome era Grumbach, antes de escolher seu pseudônimo em tributo ao autor Herman Melville, de "Moby Dick" - criou uma série de histórias existencialistas sobre gângsteres, foras da lei e fracassados. Seus filmes têm uma estética classuda e tramas complexas, cheias de traições e personagens misteriosos.

É possível ver a influência de Melville em filmes como “The Killer”, de John Woo (o assassino de aluguel frio e cool interpretado por Chow Yun-Fat parece ter sido inspirado no personagem de Alain Delon), “Cães de Aluguel”, de Tarantino, e “Drive”, de Nicolas Winding Refn. A lista de fãs do cineasta inclui Walter Hill, William Friedkin e Michael Mann.

A caixa traz os longas “Dois Homens em Manhattan” (1959), “Técnica de um Delator” (1962) e “O Círculo Vermelho” (1970), além do documentário “Codinome Melville”, com depoimentos de discípulos como os cineastas Bertrand Tavernier e Volker Schlondorff. Ainda não vi o documentário, mas os filmes são formidáveis.

Gostei especialmente de “O Círculo Vermelho”. Foi o penúltimo filme de Melville e tem Alain Delon e Gian Maria Volonté como dois bandidos que se juntam para um espetacular assalto na Place Vendôme, em Paris. Difícil imaginar que Brian De Palma não cavucou esse filme fotograma por fotograma para criar suas intrincadas cenas de tiroteios e perseguições em filmes como “Carlito’s Way”.

Bom fim de semana a todos.

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Adeus, Scott Weiland!

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A gente já viu essa história antes: rockstar aparentemente indestrutível sobrevive a vários anos de agulhas penduradas no braço, incontáveis paradas respiratórias e overdoses, só para aparecer morto quando ninguém mais esperava.

Scott Weiland, 48, cantor norte-americano famoso por trabalhos com as bandas Stone Temple Pilots e Velvet Revolver, foi mais um caso. Morreu quinta, dormindo, dentro do ônibus de sua atual banda, The Wildabouts.

Uma das figuras marcantes da geração “grunge” dos anos 90, Weiland é mais uma vítima daquela era de excessos. A lista de músicos do período que morreram de forma trágica – por overdose ou suicídio – impressiona.

Além de Kurt Cobain, do Nirvana, pereceram Shannon Hoon (Blind Melon, 1995), Mike Starr (Alice in Chains, 2011), Layne Staley (Alice in Chains, 2002), Kristen Pfaff (Hole, 1994) e Andrew Wood (Mother Love Bone, 1990). Outros sobreviveram, milagrosamente: Courtney Love, Evan Dando e Mark Lanegan.

Na macabra bolsa de apostas de possíveis vítimas da heroína, Scott Weiland esteve sempre no topo. Foi preso várias vezes, entrou e saiu de clínicas e foi expulso de todas as bandas de que participou. Conseguiu a proeza de ser despedido até do Velvet Revolver, banda que tinha três ex-membros do Guns N’ Roses, por "comportamento errático".

Em sua autobiografia, “Not Dead and Not for Sale”, contou o caso:

“Eu estava fora de controle durante a segunda turnê do Velvet Revolver, em 2007. No início da turnê eu estava ok, mas aí uma única carreira de cocaína me tirou do prumo. Cheirei, e logo os demônios tinham voltado. Começou outro declínio... Ali estava eu de novo, visitando lugares perigosos para comprar drogas. Mantive tudo em segredo, os caras do Velvet Revolver não sabiam. Quando contei a eles que teria de perder alguns shows para me tratar, a reação deles me chocou. Eles disseram que eu teria de pagar os cachês dos shows. Lembrei a eles que quando eles todos precisaram de tratamento, eu os apoiei, mas não fez diferença alguma para eles. Não importava que o Velvet Revolver tinha vendido cinco ou seis milhões de discos. Eu estava fora.”

Weiland foi um dos melhores cantores da era “grunge”, quando várias bandas muito diferentes acabaram agrupadas no mesmo “gênero”. O Stone Temple Pilots foi formado em San Diego, na Califórnia, e era bem diferente de Nirvana e Mudhoney. Tinha grande influência do hard rock de Led Zeppelin, Kiss e Aerosmith. Weiland adorava Robert Plant e Jim Morrison, e chegou a cantar com os membros remanescentes do Doors. Era um vocalista carismático, que não precisava correr pelo palco ou fazer grandes encenações para cativar plateias imensas. Amava o rock de estádio e nunca negou o fato de querer ser um astro. Infelizmente, morreu como muitos deles.

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Quando termina o jornalismo e começa a propaganda?

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edc e1438202236886 Quando termina o jornalismo e começa a propaganda?Nesse fim de semana rolou a primeira edição brasileira do EDC - Electric Daisy Carnival - um dos maiores festivais de música eletrônica do mundo.

Não fui ao evento, mas tinha muito interesse em saber como tinha rolado o festival. Já escrevi aqui no blog sobre a briga entre o EDC e outro grande festival, o Tomorrowland (leia aqui), e acho fascinante o processo de popularização da música eletrônica e sua transformação em pop.

Na sexta à noite, assisti a cerca de uma hora do festival no Multishow. Não vi nenhum comentário e nenhuma entrevista. A "cobertura" se limitou - pelo menos durante o tempo que vi - a mostrar cenas dos palcos, gente dançando e a VJ Marimoon pulando e fazendo caretas fofas dentro dos stands dos patrocinadores - com os logotipos bem visíveis, claro.

Confesso que não conhecia nenhum dos artistas que o Multishow mostrou (desliguei antes das apresentações de Martin Garrix e Tiesto). Teria sido legal ouvir um especialista explicando quem eram os DJs, que tipo de som fazem, etc., mas isso, aparentemente, não tem mais importância.

No dia seguinte, comentei o evento com um amigo. Ele me enviou o link de um site que supostamente teria uma boa cobertura do festival: o Thump, o canal do site da VICE que fala exclusivamente de música eletrônica.

Antes de continuar, quero dizer que acho o trabalho da VICE muito bom e importante. Cansei de ver ótimos documentários e reportagens feitos por eles. O último furo mundial dos caras foi a entrevista com Jesse Hughes, líder do grupo Eagles of Death Metal, vítima dos ataques terroristas ao clube Bataclan, em Paris. Gigantesca bola dentro.

Animado, acessei o Thump. Dei de cara com isso.

Minha primeira impressão foi de que eu havia entrado na página errada. Aquilo era um informe publicitário sobre o EDC, não uma matéria jornalística sobre o evento.

Procurei a cobertura de verdade, o relato jornalístico que responderia a algumas perguntas básicas: como foi a organização do evento? A produção estava no mesmo nível das edições internacionais do EDC? Os DJs mandaram bem? O som estava bom? Que artista se destacou?

Não achei nada disso.

No topo da página, um aviso acabou com minha dúvida: "a COBERTURA do Electric Daisy Carnival Brasil 2015 no Thump é um oferecimento de Smirnoff Ice Storm.

Aquele jabá era a cobertura.

Podem me chamar de velho, de reacionário, de museu, de ludita, de amigo do Gutenberg, de qualquer porcaria, mas isso NÃO É jornalismo nem aqui e nem no raio que o parta. Isso é publicidade. E por favor não misturem as coisas, em respeito tanto ao jornalismo quanto à publicidade. Nenhum dos dois merece ser sacaneado dessa maneira.

Não moro debaixo de uma pedra e tenho acompanhado as "mudanças" na imprensa mundial. Entendo o conceito de "branded content", embora fique triste com a confusão que muitos fazem entre jornalismo e conteudismo. No caso do Thump, bastava tacar um "INFORME PUBLICITÁRIO" no alto da página e estava tudo certo. Inadmissível é vender jabá com fachada de "cobertura".

Trabalho em imprensa há muito tempo e sei que ela não sobrevive sem anunciantes. Também não tenho nada contra revistas customizadas para empresas. Já escrevi uma coluna sobre música e cinema na revista de uma companhia aérea. Mas a publicação, da capa à última página, deixava absolutamente claro que era uma empreendimento corporativo. O leitor recebia a revista gratuitamente dentro do avião e sabia o que estava lendo. E os colunistas podiam escrever sobre o que bem entendessem.

Isso é muito diferente de um informe publicitário disfarçado de cobertura jornalística. Garanto que muita gente acessou o Thump, leu a "cobertura", não se ligou que era jabá e achou que o EDC foi mais importante que o festival de Woodstock em 1969.

Mas "jabá" é uma palavra feia e ultrapassada. Nada mais nineties que aqueles velhos programadores de rádio recebendo uns trocados para tocar a música nova de certa gravadora. Os tempos mudaram. Hoje, neojornalista não faz jabá, faz conteúdo disfarçado de notícia.

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Goste ou não, esta é a música do ano

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Se você não passou o ano de 2015 vivendo dentro de uma caverna no Nepal, certamente ouviu – ou viu o clipe – de “Lean On”, hit do Major Lazer com vocais da cantora dinamarquesa MØ.

Semana passada, o Spotify anunciou que “Lean On” foi a música mais tocada em streamings em 2015. Nada menos de 540 milhões de audições. O clipe foi visto mais de 852 milhões de vezes no Youtube, o que o torna o 22º vídeo mais popular da história do site (“Gangnam Style” continua imbatível com 2,4 bilhões de visualizações).

O Major Lazer é um projeto liderado pelo norte-americano Thomas Wesley Pentz, mais conhecido por Diplo. Diplo tem 37 anos e é um dos sujeitos mais espertos do planeta. Onde existir uma tendência musical autêntica que ele possa capturar, reembalar e vender com o carimbo de “cool”, lá está o homem.

Até uns dez anos atrás, Diplo era DJ. Tocava em clubinhos – várias vezes no Brasil – para 300 pessoas. Adorava funk carioca e o dancehall jamaicano. Em 2004, conheceu a cantora M.I.A. e produziu faixas para ela. Seu trabalho como produtor decolou. Hoje tem entre seus clientes Madonna, Britney Spears, Shakira, Beyoncé e Usher. Em parceria com o DJ e produtor Skrillex, arquitetou o gigante single “Where Are Ü Now”, de Justin Bieber.

No site da revista “The Atlantic” (leia aqui), o crítico Spencer Kornhaber tentou explicar o sucesso de “Lean On”. Algumas de suas teorias:

- Diplo já disse que sua missão de produtor é achar maneiras de usar a mesma tecnologia de formas diferentes, o que significa distorcer certos sons para criar sons inéditos. O grito agudo que ouvimos após o refrão – possivelmente um sample manipulado da voz de MØ – seria um bom exemplo.

- Assim como “Where Are Ü Now”, “Lean On” coloca uma voz humana e bonita em uma base cavernosa e quase alienígena, numa mistura do humano e do puramente artificial, incluindo “ganchos” sem palavras – de novo, o grito manipulado de MØ.

- Korhaber identifica em “Lean On” uma tendência do pop moderno a criar sonoridades e estilos visuais (o clipe é indissociável da canção) que remetem a algo exótico e que os ouvintes/espectadores possam identificar, mas que parecem ter sido criados em outro planeta. Resumindo: “Lean On” tem pitadas de referências tropicais, caribenhas e indianas, mas tão distorcidas e manipuladas que parecem irreais. Isso ajudaria o processo de globalização da música, ao mesmo tempo em que levanta uma questão importante sobre a tal “apropriação cultural”.

Concordo com Korhaber e gostaria de adicionar algumas ideias que possam ajudar a explicar o sucesso da canção.

Em primeiro lugar, o clipe passa a ideia de uma música "global", uma mistura esquizofrênica de elementos caribenhos e indianos, uma cantora dinamarquesa e integrantes do Major Lazer (brancos e negros) fazendo passos de hip hop em cenários filmados em países tão diferentes quanto a Índia e a Suécia. É o samba do multiculturalismo doido. Lembra Las Vegas, onde nada é de verdade e as referências estéticas apontam indiscriminadamente para todo o planeta.

Outro fator importante é a absoluta falta de sentido da letra.

Em março, fiz um artigo (leia aqui) sobre Dr. Luke, produtor de Britney, Katy Perry, Shakira e Miley, entre outras. Escrevi:

“Luke aprimorou uma técnica quase matemática de composição e produção, que inclui tabelas com os intervalos entre versos e refrães e uma maneira peculiar de escrever letras, em que essas não precisam, necessariamente, fazer sentido, contanto que todos os versos tenham não só o mesmo número de sílabas, mas uma cadência idêntica em todas as frases. A técnica é extremamente eficaz, especialmente numa época em que o analfabetismo funcional do público chegou a níveis alarmantes. Basicamente, as pessoas leem e ouvem frases e podem decorá-las e reproduzi-las, mesmo que não façam sentido algum. Aliás, é até melhor que não façam sentido. Dá menos trabalho.”

Como escreveu John Seabrook no livro "The Song Machine", sobre os megaprodutores do pop moderno (escreverei sobre o livro amanhã), "A era da discoteca provou que letras que exigem muita atenção do ouvinte são propensas a matar a pista de dança".

“Lean On” segue à risca essa fórmula. O que dizer de versos como “Mande um beijo, dispare uma arma / precisamos de alguém para nos ajudar”? Ou “O que faremos quando ficarmos velhos? / Vamos andar na mesma estrada? / Você estará ao meu lado? / Firme e forte enquanto as ondas nos cobrirem”?

Resumindo: “Lean On” é um produto pop perfeito para os nossos tempos. Diplo fez direitinho.

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Quem manda na música pop?

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Até o início dos anos 1990, as músicas que faziam sucesso nos Estados Unidos – e, por consequência, em quase todo o mundo – haviam sido compostas e produzidas, na maior parte, por norte-americanos e britânicos, com a eventual aparição de um australiano aqui ou ali.

Mas isso mudaria em 1992. E tudo por culpa de um toca-fitas defeituoso.

Naquele ano, um produtor musical sueco chamado Dag Krister Volle, mais conhecido por Denniz PoP (assim mesmo, com dois “P” maiúsculos), recebeu uma fita demo de uma banda local. Denniz (foto abaixo) pôs a fita para tocar em seu carro – ele sempre ouvia música no carro – e odiou o que ouviu. Era um tecnopop chinfrim com uma levada de reggae.

pop denniz pop Quem manda na música pop?

Acontece que o toca-fitas do carro de Denniz estava com defeito, e ele não conseguiu tirar a fita do aparelho por três semanas. Durante esse tempo, foi obrigado a ouvir a maldita canção incontáveis vezes. Pouco a pouco, começou a imaginar o que poderia fazer para melhorá-la: quem sabe trocando um verso aqui, mudando o tom do refrão, acelerando a batida acolá, a música não teria chance de ser um hit?

De repente, Denniz teve uma epifania. Descobriu exatamente o que fazer com a canção. Assim que chegou ao estúdio, ligou para a banda: “Quero produzir vocês. Venham imediatamente”.

A banda era o Ace of Base, e a música, “All That She Wants”.

Mas gravar uma música de apelo comercial só resolvia uma parte do problema. Torná-la um hit nos Estados Unidos, o maior mercado do mundo, era bem mais difícil. Para isso, Denniz contou, de novo, com o destino.

Poucas semanas depois de “All That She Wants” ser lançada na Europa e fazer imenso sucesso em países como Dinamarca, Áustria e Holanda, o então chefão da gravadora norte-americana Arista, Clive Davis, passeava pelo Mediterrâneo em um iate. Davis tinha 60 anos e era um dos maiores nomes da indústria da música de todos os tempos (leia aqui um texto que fiz sobre a autobiografia dele), conhecido por ter assinado Janis Joplin, Aerosmith, Santana, Bruce Springsteen, Earth, Wind & Fire e Neil Diamond, além de descobrir Whitney Houston e Alicia Keys.

Assim que ouviu “All That She Wants”, Davis mandou o capitão parar o iate no primeiro porto, achou um telefone, ligou para a gravadora do Ace of Base e comprou os direitos do LP “The Sign” para os Estados Unidos. Resultado: 23 milhões de cópias vendidas e um dos mais populares LPs de estreia da música, junto a Guns N’ Roses, George Michael, Whitney Houston, Boston, Backstreet Boys e Norah Jones.

Essa história sensacional abre um livro igualmente sensacional, “The Song Machine – Inside the Hit Factory”, de John Seabrook, um relato minucioso e divertidíssimo sobre como uma gangue de jovens produtores de várias partes do mundo – Suécia, Noruega, Coréia do Sul, Estados Unidos – veio a dominar o a música pop dos últimos 25 anos.

pop livro Quem manda na música pop?
Seabrook, jornalista da revista “The New Yorker”, faz perfis de gente como os suecos Denniz PoP e Max Martin (leia aqui), o duo norueguês Stargate, os americanos Dr. Luke (leia aqui) e Ester Dean e o sul-coreano Lee Soo-Man, entre muitos outros produtores e agentes.

Ele conta a saga de Britney Spears - do auge à clínica psiquiátrica - revela como Rihanna foi descoberta por um produtor de férias em Barbados, narra a história surreal da família de Katy Perry (ex-hippies, discípulos de Timothy Leary e do LSD, que se convertem em religiosos fanáticos), conta como Ke$ha foi encontrada em um muquifo, louca de crack e álcool, e levada diretamente para uma sessão de gravação que rendeu uma música top da parada norte-americana.

Os tópicos são interessantíssimos: como Lou Pearlman criou os Backstreet Boys e o N’Sync e Lee Soo-Man inventou o “K-Pop”, o pop coreano em que crianças são submetidas a uma disciplina militar de sete anos de testes e ensaios antes de subir num palco. O livro destrincha as novas formas de produção que dispensam músicos, substituem estúdios por laptops e onde astros, ocupados demais com turnês lucrativas, gravam seus vocais em quartos de hotéis e camarins.

Seabrook mostra como o pop atual é uma verdadeira linha de montagem, em que megaprodutores têm equipes de 15 ou 20 pessoas, cada uma trabalhando em partes específicas de uma canção. Há especialistas em criar refrão, em fazer as batidas e em “comping”, um processo lento e trabalhoso que se resume em dividir toda a letra em sílabas e escolher, dentre os inúmeros “takes” gravados pelos cantores, as sílabas mais bem gravadas, para então rearranjá-las em computador, montando um verdadeiro Frankenstein sonoro.

Voltando ao Ace of Base: Seabrook vê em “All That She Wants” um modelo para o pop que dominaria o mundo: uma música “global”, mas sem uma origem definida, misturando batidas poperô do Europop, ritmos “estrangeiros” como reggae e música oriental, refrães bombásticos do rock de arena (um modelo é a produção de Mutt Lange para os grandes sucesso do Def Leppard nos anos 80) e “hooks” (“ganchos”) espalhados por toda a música.

É impressionante a semelhança da estrutura de “All That She Wants” com uma canção que citei aqui no blog ontem (leia aqui), “Lean On”, do Major Lazer, a canção mais ouvida em streamings em 2015.

Outra semelhança curiosa entre a canção do Ace of Base e outros hits do pop, especialmente os produzidos por suecos: muitos têm letras que não fazem sentido algum. E a razão é simples: os compositores não falavam inglês direito.

Em “All That She Wants”, a vocalist principal do Ace of Base, Linn Berggren, canta:

All that she wants / is another baby

A frase é estranha: tudo que ela quer é “outro bebê”? Por quê? Ela já tem uma criança?

Na verdade, “baby” queria dizer “namorado”.

Seis anos depois, o produtor sueco Max Martin compôs “Baby One More Time”. O refrão dizia:

Hit me baby / one more time

A tradução correta é “Bata em mim mais uma vez”. Martin ofereceu a música ao trio vocal feminino TLC, mas elas recusaram, com o argumento de que nunca pediriam para alguém espancá-las.

Martin não entendeu nada. Para ele, “hit me” era sinônimo de “telefonar”.

A música, como sabemos, foi parar com Britney Spears, e liderou paradas em todo o mundo. O que prova que na música pop mais vale a forma que o conteúdo. Se uma frase soar bem, não precisa fazer sentido.

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O melhor filme que você vai ver este ano tem 60 anos

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Muito obrigado ao leitor Rodrigo, que deu a dica: “The Night of the Hunter” (“O Mensageiro do Diabo”), de Charles Laughton, acaba de entrar no catálogo do Netflix brasileiro. Parabéns aos envolvidos.

Lançado em 1955, foi um fracasso de público e crítica. Dá para entender porque plateias não gostaram: é um filme violento, misógino, cínico e assustador. O criminoso é um pastor – ou falso pastor, não fica claro – que explora a fé de suas vítimas. É também uma das maiores obras de arte que o cinema já produziu, embora isso só tenha sido reconhecido anos depois de Laughton morrer, em 1962, aos 63 anos, sem nunca ter dirigido outro filme.

“The Night of the Hunter” é inspirado na história de Harry Powers, um assassino serial que foi enforcado em 1932 pelo assassinato de mulheres e crianças. Galante, Powers seduzia viúvas, roubava seus pertences e depois as matava. Sua saga virou livro em 1953 e filme em 1955.

Laughton, o grande ator que fizera fama nos anos 30 e 40 em sucessos como “Os Amores de Henrique VIII” (1933), “O Grande Motim” (1935) e “O Corcunda de Notre Dame” (1939), entre muitos outros, reuniu um time primoroso para o filme: a fotografia é de Stanley Cortez, que havia feito “Soberba” (1942), de Orson Welles, e faria “Shock Corridor” (1963) e “Naked Kiss” (1964) de Samuel Fuller; o roteiro é do autor e crítico de cinema James Agee, uma das maiores influências da crítica Pauline Kael; o elenco tem Robert Mitchum, Shelley Winters e a lendária Lilian Gish, grande atriz do cinema mudo e que teria uma carreira de 75 anos em Hollywood, estreando em 1912 e terminando em 1987.

É difícil definir “The Night of the Hunter”. É uma mistura de conto de fadas, policial, suspense e terror psicológico, passado numa época braba da vida norte-americana, a Grande Depressão dos anos 30.

A história gira em torno de Harry Powell (Robert Mitchum), um autoproclamado pastor que anda pelo sudeste dos Estados Unidos procurando mulheres que ele possa seduzir, roubar e, por fim, matar. Powell fica sabendo de um assaltante que levou dez mil dólares de um banco e foi preso sem que a polícia conseguisse recuperar o dinheiro. Ele resolve ir atrás da família do assaltante, que era casado com Willa (Shelley Winters) e tinha dois filhos, John e Pearl.

Esteticamente, “The Night of the Hunter” deve muito ao cinema Expressionista alemão dos anos 20, com suas cenas altamente contrastadas e cenários distorcidos, e também aos filmes de horror da Universal dos anos 30. Cada vez que revejo o filme, tenho a impressão de perceber novas influências.

Há uma cena em que Powell e Willa estão no quarto, e a iluminação e cenário lembram muito o clássico alemão “O Gabinete do Doutor Caligari” (1920), de Robert Wiene. Confira:

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Em outra, há um close de Willa deitada na cama que remete a “A Paixão de Joana D’Arc” (1928), de Dreyer. É possível perceber também menções ao “Frankenstein” (1931) de James Whale.

Agora, tão interessante quanto buscar as referências que influenciaram “The Night of the Hunter”, é notar como o filme influenciou tanta gente. Há uma cena de Harry Powell na porta da casa de Willa que é muito parecida com a imagem do cartaz de “O Exorcista”, que William Friedkin faria quase 20 anos depois.

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O filme de Laughton marcou muita gente. É difícil imaginar que David Lynch e Cronenberg não passaram longas noites vendo e revendo essa beleza. Martin Scorsese certamente o usou como referência para a fotografia preto e branca de “Touro Indomável”. Outros clássicos do terror psicológico, como “Peeping Tom” (1960), de Michael Powell, parecem ter se inspirado nas imagens de Stanley Cortez.

Imagine um conto de Edgar Allan Poe filmado por Murnau, fotografado por Diane Arbus e passado em cenários de histórias de Mark Twain. “The Night of the Hunter” é bizarro e inesquecível.

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O Flaming Lips que a maioria não viu

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O Flaming Lips nasceu em Norman, Oklahoma, em 1983.

Os culpados foram Wayne Coyne, seu irmão mais novo, Mark, e um amigo, Michael Ivins. Todos curtiam o que muitos moleques entediados de 20 anos ouviam na época: o hardcore de Black Flag, Dead Kennedys, Minor Threat e Circle Jerks. Os Coyne também gostavam de metal e hard rock –Sabbath, Zeppelin – e dos sons viajandões ou esquisitos de Pink Floyd, Hawkwind, Captain Beefheart e Zappa.

Um dos períodos mais ricos do rock underground americano foi justamente a primeira metade dos anos 80, quando bandas abriram mão da ortodoxia do hardcore e absorveram influências as mais diversas, como música country, psicodelia, sons de vanguarda e eletrônica. Foi ali que surgiram Sonic Youth, Minutemen, Husker Du, Big Black, Butthole Surfers, Scratch Acid… e Flaming Lips.

A banda de Wayne Coyne, como dissemos, tem 32 anos de existência. Mas sua trajetória pode ser dividida em duas fases, cada qual com 16 anos de duração.

A mais conhecida pelo público é a segunda, que começa em 1999 com o lançamento do disco “The Soft Bulletin”, que trouxe o hit “Race for the Prize”. Foi o marco zero do Flaming Lips grandiloquente e festivo, com fãs vestidos de bichos fofos, shows coloridos e alegres, e Wayne Coyne surfando sobre a plateia de dentro de uma bolha de plástico.

O que muita gente não sabe é que o Flaming Lips teve uma fase anterior, muito mais dark e estranha, que durou de 1983 a 1999. Foi um período de discos pesados, sombrios e psicodélicos, incluindo uma sequência de quatro LPs sublimes, considerados por muitos fãs os melhores da banda: “In a Priest Driven Ambulance” (1990), “Hit to Death in the Future Head” (1992) , “Transmissions from the Satellite Heart” (1993) e “Clouds Taste Metallic” (1995).

Acaba de sair – e já tem no Spotify – “Heady Nuggs: 20 Years After Clouds Taste Metallic”, caixa com três CDs que comemora o vigésimo aniversário do disco de 95, além de um EP de 1994, “Due to High Expectations… The Flaming Lips Are Providing Needles for Your Balloons”, uma seleção de faixas raras, “The King Bug Laughs”, e a íntegra de um show gravado em Seattle, em 1996.

Veja um trecho do documentário “The Fearless Freaks” em que a banda fala das gravações de “Clouds Taste Metallic”:

Tive a sorte de ver o Flaming Kips várias vezes em meados dos anos 90, ainda com o guitarrista Ronald Jones – que logo abandonaria o barco, frustrado pelo uso de drogas do baterista Steven Drozd e também para se dedicar à sua espiritualidade (houve um boato na época de que Jones saíra dos Lips para virar padre). Era uma experiência muito diferente dos shows solares e animados de hoje em dia. Os shows eram barulhentos e intensos, marcados por microfonia, longas jams viajandonas e um clima porra louca à Crazy Horse. Bons tempos.

Não sou daqueles que acham que o Flaming Lips dos primórdios era melhor que o atual. Adoro todas as fases da banda. Mas, para quem só conhece o período mais recente, vale muito a pena ouvir “Heady Nuggs” e comprovar que o Lips é uma banda única e que se transformou ao longo do tempo.

Bom fim de semana a todos.

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Debate político nem sempre foi petralhas vs. coxinhas

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Acredite: houve um tempo em que pessoas ligavam a TV para ver dois intelectuais debatendo.

Nem faz tanto tempo assim - foi em 1968 - mas parecia outro mundo. Naquele ano, no mês de agosto, a rede de TV ABC, habitual saco de pancadas das gigantes CBS e NBC, teve uma ideia arriscada: reunir Gore Vidal e William F. Buckley, dois autores de posições políticas, sociais e ideológicas opostas, para uma série de dez debates, realizados durantes as convenções dos partidos Republicano e Democrata à Presidência dos Estados Unidos.

Vidal e Buckley eram mais que antagônicos: eles se odiavam com todas as forças. Naquele ano emblemático - 1968 - marcado pela Guerra do Vietnã, a explosão da contracultura e imensos conflitos sociais e raciais, cada um simbolizava, na visão do outro, a personificação da decadência norte-americana.

Gore Vidal (1925-2012) era liberal, progressista, crítico da política externa americana e homossexual assumido (leia aqui um texto meu sobre um documentário a respeito de Vidal).

William F. Buckley (1925-2008) era conservador, amigo de Ronald Reagan e editor da revista "National Review", uma Bíblia dos movimentos conservadores no país.

Se estavam em lados opostos da política, religião e hábitos sociais, Vidal e Buckley eram dois gênios da retórica e adoravam um pugilato verbal. Desde o primeiro debate, a única missão deles foi destruir o outro.

O resultado foi um marco da história da televisão. Até ali, dizem estudiosos, a cobertura jornalística televisiva de grandes eventos primava pela imparcialidade. A confiança dos telespectadores em grandes nomes do jornalismo da TV, como Walter Cronkite, era quase absoluta, até porque eles se limitavam a noticiar os fatos com a maior isenção possível.

As brigas entre Vidal e Buckley mudaram as coberturas políticas para sempre. A receptividade da audiência surpreendeu até mesmo a ABC, que trucidou as concorrentes no horário. A partir dali, a opinião passou a ser muito mais valorizada.

Está disponível no Netflix - de novo o Netflix - um excelente documentário, "Best of Enemies", que conta a história desses debates e traça perfis de Vidal e Buckley. É impressionante ver aquilo e comparar com o nível de nosso debate político, por exemplo.

Vendo o filme, comecei a me perguntar por que nenhuma emissora brasileira copia a ideia e chama dois convidados de peso - e de posições antagônicas - para um programa em que debateriam os acontecimentos políticos da semana. Nesses tempos de guerrilha entre petralhas e coxinhas, seria um alento.

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Wilson Simonal: ascensão e queda de um astro pop

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O canal BIS exibe esses dias o documentário “Simonal – Ninguém Sabe o Duro Que Dei”, de Micael Langer, Calvito Leral e Cláudio Manoel (veja horários aqui), um painel abrangente e informativo sobre uma das figuras mais importantes da cultura pop brasileira.

Muitos, infelizmente, ainda lembram Simonal só por sua suposta ligação com o DOPS e ignoram o fato de ele ter sido um dos artistas mais populares e influentes do país entre o fim dos anos 60 e o início dos 70.

É uma pena que as polêmicas ideológicas atrapalhem tanto a apreciação da arte de Wilson Simonal. As cenas de arquivo não deixam dúvidas: nenhum cantor pop brasileiro – nem Roberto Carlos – tinha o domínio de palco e o magnetismo dele, capaz de comandar plateias imensas como se estivesse num barzinho.

Chico Anysio, um artista que entendia uma coisa ou outra sobre dominar plateias, diz que nunca viu ninguém com o carisma de Simonal. Miele concorda. E quem discorda?

É impossível ver uma cena dessas – o encontro de Simonal e Sarah Vaughan - e não reconhecer a genialidade do sujeito.

O filme esmiúça o polêmico episódio da tortura contra seu ex-contador, Raphael Viviani, que foi espancado nas dependências do DOPS em 1971 e disse que Simonal estaria por trás do caso. A classe artística e os intelectuais transformaram o cantor num pária, e a carreira dele foi muito prejudicada.
É curioso lembrar que Simonal foi acusado de apoiar o regime militar e fazer apologia do país numa época de repressão braba, por cançções como essa, lançada em 1970...

...mas o autor da canção, Jorge Ben, não sofreu o mesmo tipo de críticas e patrulhamento. Por quê?

CONVITE: RELANÇAMENTO DE "MALDITO"

IMG 4514 Wilson Simonal: ascensão e queda de um astro pop

Quarta, às 20h, acontece o relançamento do livro "Maldito", que escrevi em parceria com Ivan Finotti. Infelizmente, compromissos pessoais impedirão minha presença, mas Mojica e Finotti estarão lá.

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